segunda-feira, 3 de maio de 2010

Palavras cristalizadas...



Porque me incomodam os brancos vazios das folhas dos diários, sem que saiba qual o destino a dar-lhes, antes de as abandonar à solvência e ao destino, uma a uma amontoo ao canto da sala todas as palavras soltas desprovidas de sentido querendo afirmar-se sem consistência na existência de ocultas construções semânticas, precavendo-me talvez para o seu necessário uso em dias quadrados, dos em que aspirar o residual aroma das letras a pouco mais me transporta que a clandestino sorriso espreitando contrito lúcidos universos banais.

Ao abeirar-me delas há uma primeira que me acena. Transformo-a em verbo evoluindo pelo canto das estrelas cintilando na permanência do desejo: sombra de um qualquer musamento vertendo-me tinta na pele dos dedos...

Ajoelho-me junto ao monte e, alí, encostado à parede onde recoloco em caixas seladas todas as feridas resumidas no rasar das asas inflectidas, sorvo a cadência sustida do ar percorrido em alegóricas desfigurações de silêncios decompostos em água. Escolho ao acaso mais duas que, descaídas, me chamam à atenção pela pacatez dos contornos, e num relance aritmético a que faço alhear os gestos empreendo a arquitectura doutro sonho de poema atrasado. Reergo-a na palma das mãos e a sonolência dos mistérios quantificáveis assalta-me como certeza acetinada suportando o pesar dos dias galgados em passo planeado. Traço-lhe a escala e só então me faço compreender em espongica atitude; quiçá vísceras atendendo à urgência do reacerto das horas onde sou palavra tenuemente balbuciada ou esquecida de nela me incorporar pela manhã.

Por isso levanto-me e, circunspecto, rodeio as palavras já quase cristalizadas amontoadas ao canto da sala, aguardando o tempo onde prencher com elas o restante espaço vazio do ideário arrecadado. Beijo a última, a ocasionalmente colocada no topo, e atiro-me abstrato ao leve som das teclas do pc reagindo num esgar de ciúme, evoluindo no branco da camisa donde retirei à pouco o maço de cigarros...Suspiro, mas não sem antes descortinar o nome do termo em falta no monte, já revoltoso pelo mutismo a que eu próprio o obrigo.

E como desconhecido que me pareceu nada lhe chamo. Deixo-o cair.

PBC

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