sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Pecado...

Bem sei que debelo a qualidade das minhas emoções e me afasto do Céu permitindo-me ao mau feitio e embirração mas, sob pena de ser definitivamente excomungado dos círculos doutrinários vigentes, Deus e os leitores permitam-me mais um dos meus pecados.

É que nunca cheguei a perceber o porquê de, por exemplo, toda a gente falar mal do Sócrates – não que eu fale melhor – quando tratando-se de certos outros indivíduos da praça com os quais temos que levar, emitir opinião é embarcar numa viagem pela origem do prurido opinativo.

Note-se que, assumidamente, sobre o que aqui me trás hoje, até sou dos que têm telhados de vidro. Mas que importa isso se nos dias que correm já detesto ter razão e contratar-me só o fazem os que me valorizam no talento e competência, não pelos meus olhos que, por sinal, tratando-se de trabalho, são de carneiro mal morto.

Mas adiante: Tive ontem uma acalorada conversa na qual uma lançada jornalista nacional equiparava a qualidade dos artigos de opinião do Ricardo Araújo Pereira à virtude dos produzidos pelo Fernando Alvim. Na minha humilde opinião, igualar o primeiro ao segundo é como tecer elogios igualitários à capela dos Jerónimos e à igreja da Medrosa. Note-se que, a segunda, embora bem frequentada mais parece um escarro cuspido pela flatulência de um mestre de obras amigo do bispo local.

Continuando. Ainda me pergunto se, para elegia de alguns, a minha amiga não consegue reconhecer a diferença abissal existente entre o saber-se vender fortemente a própria imagem e a legitima proclamação do talento? A diferença entre ensaiar o riso para cair oportunamente nos ciclos sociais em voga e o rir genuinamente nem que seja da estupidez alheia? Em boa verdade, quando solicitado a opinar, um limita-se a seguir aos sss numa gloriosa tentativa de evitar futuras barreiras sociais, ou seja, cobra pela opinião a opinião que não emite e o povinho aplaude por não se sentir confrontado, enquanto o outro, a quem muitos gostariam de poder pagar para que deixasse de a emitir com tanto garbo, a escancara, sendo aplaudido na mesma por dizer o que na nossa cobardia raramente temos colhões para verbalizar publicamente. E não é por isso que tem os bolsos mais vazios, pelo contrario.

Ainda dentro dos parâmetros da minha parca opinião, que a pouco mais do que à ponta dos meus dedos chega e pela minha pequenez me coloca a cabeça a prémio, aquilo a que tenho assistido é: No caso do primeiro, as hostes fazem vigílias aguardando a próxima aparição, ao invés de, como acontece no segundo caso, os desbocados soltarem um inconsciente “epá, mas temos que levar com este outra vez?”. E olhem que, apesar de papar com tudo, o povo também sabe.

Por bem existe espaço para tudo e para todos, se não existissem os ditos “picha mole” os com tesão nunca sobressairiam, e sobre gostos, politica e religião é de bom tom não se discutir, porque, tal como eu, ao fazê-lo, peca-se.

Confesso que até já tentei dar o benefício da dúvida ao FA, mas tal como evidenciado por comparação nos links coloridos o que me acontece é ler um artigo dele e ficar com a sensação de que, sem acrescentar valor cívico, político, ou cultural ao discurso, fala, fala, fala numa prosápia estéril, pretendendo-se piadético, não indo além do politicamente correcto e, sem dizer nada, acaba por rematar o discurso com um arrepiante esgar de falsa ingenuidade. Acerca do RAP, digam-me vocês.

Mas será que só eu é que vejo as coisas assim, que se perguntasse a um adolescente o motivo do sucesso do FA ele, abanando a mão à frente dos olhos me atiraria com um “deahhea”?

É que já me enfada esta história de, após tempos vencidos, ter que continuar a perguntar: E então, o maluco era eu, hem ?

Se me disserem o que é que o FA quer dizer com isto, talvez mude de opinião:

“...Daí que olhando para trás, é isto que vos posso dizer, mas se olhar para baixo, fixamente nos pés, são as sapatilhas Sanjo que me lembro…””…porque só elas me faziam fazer golos iguais aos do Nené, camisola número 7, eu mesmo nas costas, ali ia Nandinho com as suas Sanjo, rotinhas,…”

Não me melguem...

PBC

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Foto PBC

O que se segue, para além de estilística e tematicamente poder ser do seu desagrado, poderá também conter algumas gralhas e erros ortográficos ou semânticos, imperfeições que algum corrector de texto poderia eliminar, disfarçando assim tamanha dislexia em impoluta ortografia, pelo que, se acaso for dos que atenta nessas coisas, sugiro: Não avance mais. Continuar será desrespeitoso para mim e para si. Lê-lo, será sempre opção sua. Se avançar e chegar ao fim, apetecendo-lhe, leve o que quiser, mas faça-o em silêncio. E peço-lhe o favor, ao sair, no máximo, feche a porta. Faça do que levou o que melhor entender mas, sobre tudo, não devolva o que não lhe servir.

Não escrevo para outro alguém que não para mim mesmo. No fazê-lo, antes de aprovação ou entendimento alheio urge-me tão só o entender-me no sentir dos termos reverberando-me nas entranhas, na espacialização fonética dos significados e significantes passíveis de os cartografar terminologicamente e em concordância com a génese que em mim deles se alimenta.

Neste espaço ou outro dentro das paredes da minha casa jamais subjugarei a verdade da minha expressão escrita a formalismos que a remetam para o enclausuramento hermético de alguma torre de marfim, que não a pretendo perfeita mas exclusivamente sentida, que não a pretendo em lógica comum mas simplesmente intima, que não a creio para deleite ordinário mas mormente pessoal, que não a ambiciono do agrado geral mas arredada do momento, despida de tempo.

Que me enfadam sentenças ortograficamente imaculadas mas paridas sem alma, desenxabidas. Que as prefiro bastardas, porém, que a esta e só a esta pele se cravem, que me nascem egoístas. São-me como as musas. Por norma, em detrimento das estereotipadas encantam-me algumas fisicamente imperfeitas e, vá-se lá saber o porquê, ainda que a mais ninguém emocionem, aceleram-me o sangue.

Assim não fossem não eram minhas as minhas palavras. Teria eu outra identidade, essa que nem pela forma nem pelo conteúdo a/as amordaçará ou falseará na personalidade. Doer-me-ia enganá-las no jeito de me acontecerem, como se sendo coxo me doesse a exigência de não mancar ao correr além.

Se por tanto não as consentisse, não me serviriam, nem elas de mim.

Nem eu aqui assim.

PBC

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

...mas amor...


Intuiu a existência da eternidade quando logo pela primeira vez a viu e, de todas as outras vezes que a encontrou pouco mais do que a confusão e uma estranha saudade o venceu.

Nem sequer pensava nisso e mal entendia o porquê de lhe parecer que, apesar da diferença de idades, dos mundos distantes e serem completamente desconhecidos um do outro, conquistava-o uma impalpável certeza, a de se conhecerem desde sempre. Não o corpo, não o rosto, mas o que a domiciliava era-lhe familiar.

Era ainda ela a pureza da adolescência e ele já homem rodado quando, por vezes, ao encontrá-la, sem se aperceber, ao cumprimentá-la, como se acaso se tratasse de alguém ao lado de quem acordara; o espaço que entre eles se abria; ao invés do cordial olá; conduzia-o a um natural ensejo de a beijar nos lábios.

Vê-la era reconhecer as ironias do tempo no labiríntico cruzamento das almas, era desfigurar as razões da matéria na ilusão do conhecido, era sentir-se preso a um corpo atraído pelo que o âmago reclama numa silenciosa reciprocidade de encantamentos, era mergulhar na ausência de passados presentes e futuros as sentenças mortais tombando perante a intemporalidade da consciência, era o amor sem outros preceitos que não o deixa-lo fluir sem reticências ou condições.

Firmava-se-lhes uma certeza quando diante um do outro; ambos não cabiam nos próprios corpos, porque afastados pelas circunstâncias, as rangendo na carne a sorte do provisório. Nesses momentos eram simplesmente a antiguidade de duas almas isoladas pelos caprichos da perpetuidade e da demora, procurando-se, de forma que, quando por vezes se lembrava dela, em meio aos braços laços arrepelando o vazio e a um inaudível brado nidificando-lhe na garganta, como quem descansa pousando a cabeça numa nuvem de suspiros provava o verdadeiro sentido da solidão terrena.

Dias, meses, anos passaram-se sem que para eles se extinguisse a possibilidade do reencontro no qual todo o tempo do mundo pouco mais era que a voz distante das estrelas apontando-lhes o Zénite, e os dedos que, à noite, mesmo distantes, se procuravam na fantasia. Havia um eco desassossegado nas suas memorias, um fruir de silêncios que não se afirmavam pela ausência dos corpos apartados, a certeza de do outro lado o eco ter uma única nota de retorno, o contorno da espera no irresoluto desejo de vencerem a arbitrariedade dos lugares que os distanciavam.

Como o possível mas não aceitado preenchimento do espaço presente, à distância, entreolhavam-se por paixão, que não era, mas amor...

PBC

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Moralismo?

Não consigo deixar de pensar nisto sem considerar que, no mínimo, andamos é quase todos a dormir. E porquê? Porque, de facto, é-nos mais fácil imputar culpas e responsabilidades a terceiros do que olhar-mos um pouco mais para nós mesmos. Quer dizer; olhar até olha-mos, mas sobre tudo para os nossos umbigos.

É assim, somos assim, preferimos apontar o dedos a direccioná-lo para nós. Falta-nos maturidade para saber-mos ser governados, não cair-mos nesta dose de histeria colectiva ao chegar o aperto. Sabê-lo dói, tanto quanto dói olhar-mos corajosamente ao espelho, tanto quanto nos desorienta e zanga o confronto com os nossos defeitos mais “envergonhadores”.

Já outras vezes me referi à crise, como sendo, em primeira instância, uma crise estrutural de valores, logo nas bases, e por mais que me tente esquivar desta premissa é-me difícil encontrar outra perspectiva.

Mas mais caricato ainda é sentirmo-nos impotentes quando o poder governamental é conferido pelo nosso sufrágio. Será que ao elegermos governos colocamo-los lá por não existirem alternativas ou porque o que a sua liderança eleitoralista nos induz é à fé de que poderemos continuar a perpetuar o escapismo e a adiar o intimo crescimento?

Em verdade, sem sequer parar-mos para entender ser impossível obter o melhor de todos os mundos, mantemos, no colectivo, e individualmente, padrões comportamentais promíscuos, vivendo numa perversão de valores. Mais confortável e não requer responsabilidade.

Também me pergunto se exigimos o que não oferecemos. E não incluo aqui aqueles indivíduos que fazem a excepção e o seu maior pecado é viverem no contra-corrente, engrossando a falange dos ditos ingénuos, sonhadores, otários, ou o que mais servir para lhes nomear a bonomia e a crença num mundo mais justo, pacifico, harmonioso e equilibrado.

Se entender-mos que antes de mais os governantes não fazem a identidade de uma nação mas exclusivamente representam-na, e que em concordância com a existência dum inconsciente colectivo espelham a identidade de quem os elege, sonhos, ambições, atitudes e desejos, neste capítulo, considerando o que é dito e sabido fazerem, atire a primeira pedra quem for ímpio.

Não defendo nem desculpabilizo os governantes e tão pouco os aspectos de injustiça social evidenciados com a sua concordância tal como não me considero exemplar mas, será que a distintos níveis não vivemos num pais onde proliferam os chicos espertos, os oportunistas, os gulosos, os chupistas, os obscurantistas, onde no medo de ser-mos ultrapassados não barramos caminhos a quem nos aponta as nossas limitações? Não temos na estrada o palco do nosso melhor retrato? Ou quanto a isso ainda residem dúvidas? Será que nas nossas vidas pessoais, no quotidiano, as nossas maiores batalhas não são afectas ao permitir terreno ao vizinho e parceiro do lado, e não se prendem com a aceitação da individualidade alheia, ou com o invejar-mos os que conquistam legitimamente o que por direito existencial e mérito lhes é cabido sem que frequentemente tentemos perspectivar formas de o usurpar? E gerimos as nossas vidas pessoais sem abrir espaço a crises? E o que as provoca saindo da nossa lavra? E jogos de poder, quem não os exerce nem que seja sobre o periquito? Pois, não me parece que por cá reinem assim tantos santos.

Já parámos para pensar que se temos casos em que lideramos as estatísticas internacionais, embora também exista o contrário, na sua maioria não são de orgulhar? E que muitas delas reflectem a sociedade civil?

Quero com isto dizer que de nada adianta reclamar contra o estado das coisas. Tão pouco me convencem de que a mudança terá que passar forçosamente pela mudança de regimes, que esses não nascem por geração espontânea. Creio acima de tudo numa mudança passando pelo mudarmo-mos a nós, para que as nossas escolhas governamentais sejam concordantes com o que, primeiramente, da nossa individualidade e depois no colectivo espelhamos.

E o consumismo? Puseram-nos a consumir desenfreadamente ou fomos nós a desejar ardentemente poder fazê-lo? O marketing tenta-nos e obrigam-nos a consumir, ou como forma de vencer vazios e frustrações pactuamos com o jogo da procura e oferta? Temos coragem para boicotar o excesso de oferta dizendo não ao que nos leva ao despesismo acima dos proveitos individuais mensais? Mandam na nossa determinação? Queremos e consumimos mais do que conseguimos pagar? Então, do que nos queixamos?

Somos humanos?, ou a gula, a inveja, a luxuria, a ira, a preguiça, a ganância e a vaidade são apanágio de alguma civilização alienígena?

Não conquistamos o mundo, subjugamos mais povos e escravizamos mais negros do que exterminou Hitler Judeus?

E esta nossa profunda sede e fome, donde vem? É-nos dada pelos governantes?

E os pecados, pagam-se no além ou "cá se fazem cá se pagam"?

Soa a moralismo não soa?

Ah pois é.

PBC

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Melhor filme...



Quando o cinema que se faz em Portugal desde o último quartel do século. XX, salvo algumas boas excepções, na minha humilde opinião se salda pela tradução dum corolário de exercícios de estilo despesistas, sem respeito algum pelo espectador que contribui para a sua existência, num país em que a sua industria vive preocupantes agruras e quem lhe dá corpo continua a cultuar quase em exclusivo o cinema de autor obtendo como resultado meros documentos de cinemateca, ter a ousadia de defender uma terceira via assente na premissa que também advogo, de que “um filme tem como propósito trazer o espectador para dentro da tela”, fazê-lo com sucesso é um passo em frente a que gosto de assistir.

De facto, havendo espaço para os vários estilos de cinema dirigido a distintos públicos, vivemos uma situação em que tornar um filme num produto comercial quase se torna uma exigência, e, sobe pena de o ver-mos desaparecer, pensá-lo deveria ser como pensar qualquer marca que se queira firmar no mercado. Hoje, sem ter-mos que nos centrar nos padrões hollywoodescos, por cá, já alguns o sabem e, num âmbito e tónica europeizada tentam-no sem que no entanto nem todos esses o consigam. Motivos? Não me caberá a mim dissecá-los aqui.

E foi precisamente isso, “trazer o espectador para dentro da tela”, aquilo a que assisti ontem na antestreia de "Quero ser uma Estrela", o último filme de José Carlos de Oliveira, filme que, mau grado as dificuldades sabidas que o foram perseguindo, na minha óptica, torna-se bem sucedido e a melhor longa metragem de toda a cinematografia deste realizador.

"Quero ser uma estrela", mais do que um documento actual sobre o tráfico de pessoas consegue provar-nos como é que uma óptima articulação e gestão dos elementos dramáticos e técnicas de narrativa cinematográfica, aplicadas com maturidade, criam a solidez dum filme capaz de nos prender ao ecrã. E, porque tratando-se de cinema não sou nem de elogio fácil nem gratuito, não o digo minado por qualquer tipo de apego emocional ligado ao facto de ter acompanhado os primeiros passos do guião ou, sem o poder aceitar, ter tido o privilégio de ser convidado para trabalhar nele, mas sim porque o saldo do que vi ontem leva a que o cinema português, José Carlos de Oliveira e toda a sua equipa estejam de parabéns. Em verdade, esta obra mexe connosco e certamente criará polémica junto da critica. De igual modo, cumpre os anseios do espectador procurando numa sala a satisfação do dinheiro bem gasto.

“Quero ser uma Estrela” dá-nos notas de excelência na fotografia e, se por ventura não se torna no melhor filme português da actualidade, pelo menos afirma-se como um dos melhores exemplos do que, e como, por cá, em cinema, sendo que as produções a não muito podem almejar, se deveria fazer, sobre tudo ao nível da realização e articulação do guião, aqui cabalmente "esgalhado".

Embora estilisticamente nos ofereça alguns excessos em nada contraproducentes ao seu posicionamento e incorporação na contemporaneidade, digo tratar-se de obra impar na actual panorâmica dos filmes nacionais.

Destaco ainda a excelente interpretação de Dalila Carmo no papel de Teresa, bem como a interpretação de Dino Mboa no papel de Kabila, um traficante de menores.

Com estreia marcada para 28 de Outubro em 20 salas, vale a pena ver este filme, e recomenda-se.

Haja quem consiga inverter o apanágio reinante na boca do povo de que “filmes portugueses são uma granda seca”.

PBC

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O último adeus.

A imensa branquidão das paredes, do tampo da secretaria no qual os salpicos de cores dos pequenos objectos se assanhavam mas não conseguiam sobrepor-se à alvura das folhas dos cadernos abertos e restante claridade, alastrava-se como um destino pacífico onde só a luz parecia ter permissão para se assenhorar daquele escritório. Além do gato, que soubesse, não havia mais ninguém em casa capaz de lhe fazer chegar à pituitária o aroma a perfume feminino que, como uma fina onda de fumo de cigarro atravessa a penumbra duma sala unicamente iluminada por um fiapo de luz chegado da janela pela qual acaba por sair e se perder. E porque em simultâneo lhe ocorreu a imagem de alguém que horas antes soube falecida, quis acreditar tratar-se da visita dela, tanto quanto o aroma a flores seria a forma possível de ser saudado por alguém já morto e a quem sempre gostou de se abraçar, intuindo-se assim merecedor dum último adeus. Naquele momento ainda não sabia que mais tarde, quando voltasse a ter-se na memória dela acabaria por ser assolado pelo início da verdade, por aquele incómodo e gélido sentimento de incredulidade que inevitávelmente chega quando a “fixa cai” e, assustando-o e baqueando-o, começa primeiro por lhe dificultar a aceitação do falecimento, e só depois de se relembrar que tudo acaba e os que foram nunca mais os viu, vem então a aceitar ou acreditar pacificamente na impermanência e no facto da vida ter por oposição a morte. Sorriu, um breve arrepio escorreu-lhe pela nuca e lágrimas reforçaram-lhe o brilho dos olhos, prestes a irromperem e transformarem-se numa vaga de nostalgia ladeando todas as percas anteriores. Por momentos negociou com a vontade de vogar pelo choro mas não se deixou ir, e recordou alguns dos pequenos momentos passados juntos, daqueles que estacionam na vida dos que ficam como constituindo referencias à certeza de os idos terem realmente existido nos instantes que a memória do quotidiano acaba por apagar mas lhes foram comuns. Voltou a sorrir e pretendeu sorrir-lhe também, fechou os olhos, algo entristecido pela dramática dureza da vida de alguns, e como se os gestos que se desenham no pensamento fossem tão reais quanto os materializados, interiormente elevou o braço, mostrou-lhe a palma da mão e num até sempre desejou-lhe eterna paz.

PBC

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O maço.

Foto PBC

Escondia-se no insano recurso ao tabaco, pelo que colocou a mão no bolso das calças e quase procurando-se retirou o maço de cigarros amarrotado. Apalpou-o, flanqueou-lhe as abas, espreitou, certificou-se com o indicador destro não haver nenhum cigarro oculto e concluiu já não ter nenhum. Resignou-se. Parecendo tratar-se dum sólido objecto, com quanta força lhe chegou à mão evocou inconscientemente o poder do mundo ao amachucá-lo. Olhando em redor, focando o olhar numa precisão de quem necessita livrar-se do que é desnecessário e lhe impede a prossecução dos gestos mais leves e corriqueiros procurou um caixote de lixo. Não descobrindo nenhum no horizonte, a frustrada urgência em sentir-se um pouco mais limpo levou-o a inspirar pesadamente o esgar de zanga que quem o observasse perceberia ter acordado com ele naquele dia. E o ar que na avenida, por ser a mais movimentada da capital, misturado com o roncar dos motores, o barulho das obras constantes, o vai e vem dos que perseguem os seus afazeres e ócios e toda a pululante azáfama se revestia sempre duma ácida e pesada densidade entrou-lhe feéricamente pelas narinas, entontecendo-o. Sentiu o cheiro a cidade carcomer-lhe a pituitária e arqueou a sobrancelha direita. Um banco dos que ladeavam a berma da avenida puxou-o, não tanto pelo cansaço da noite mal dormida mas pela necessidade de escrutinar todos os passos que de casa até ali o tinham conduzido. Ainda mal se tinha sentado e logo reparou num caixote de lixo plantado mesmo à sua frente. Suspirou alguma satisfação e com antecipada saudade mirou nostalgicamente o maço. Convicto de que a experiência em encestar lhe continuava fiel elevou-o acima da cabeça e lançou-o, como se duma assentada se fosse livrar de todos os fantasmas, ânsias, frustrações, zangas, desassossegos, ideias, alegrias e prazeres fumados um a um na simplicidade de os banalizar. A sumária segurança reencontrada no simples acertar no alvo, como se na ausência de outras certezas fosse o bastante para lhe devolver a identidade possibilitou-lhe uns escassos segundos de relaxe. Regressou-lhe a vontade de fumar e levantou-se pachorrentamente, caminhando em direcção ao quiosque vermelho que sabia existir um pouco mais abaixo. A meio caminho lembrou-se que no início da noite anterior, quando a conheceu, antes de terem acabado na cama, tinha escrito o telefone dela na prata do topo do maço e nem sequer tinha reparado nisso ao se livrar dele. Enfadado com a situação comprimiu os lábios mas nem lhe ocorreu voltar ao caixote e resgatar o número. Esperava-o a novidade de novos cigarros e outras noites mal dormidas.

PBC

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Se me chamas...

FOTO PBC


Hoje, antes mesmo do despertar dos insectos e do ocre das fachadas esboroadas me sorrirem às esquinas da cidade, antes de mim, mais expectante do que a luz onde te invento, amanheceu o silêncio... e só depois o olhar, largado à memória dos cardos torrando à soleira das planícies áridas.

Depois, antes de tomar por rumo a suspensão das palavras por oferecer, deambulei, sereno, junto à borda de todos os rios de saliva contida nos sussurros disfarçando o suspiro e a irresoluta voz dos ecos, devolvendo o nexo às cores da fotografia que te regista na alma o nome, conduzindo-me os passos e o mistério dos dedos apontando ao horizonte o sorriso…

E perguntei-me se saberiam os anjos do porquê de as formas que desenho no espaço nascerem antes da vontade, denunciando o desejo. Ou se seriam estas esferas coloridas que me gravitam nas mãos o não pensamento e só eco, o que de ti me lembra quando ao vento segredas mais que o romper do silêncio, ou as estrelas donde me chamas. Se me chamas…

PBC

sexta-feira, 30 de julho de 2010

E então...

Foto PBC


Não, não fui eu nem tu, mas nós, os que nascemos com o olhar perdido no horizonte, a sentir o arrepelo da pele na certeza de serem verdes as esperas que prometem rios de mel e norte às noites vadias, a reconhecer a memória do futuro gerando nos ovos de pedra o leve respirar das estrelas.

E, ainda antes do acordar da saudade se desvelar na antiguidade do sonho ou na inevitabilidade do futuro, desde a eternidade, recordas-te caminharmos pelo ventre do cosmos, sem idade, serenos, como se somente os dedos, buscando-se, se pudessem agitar pelo reencontro?

E então?

PBC



segunda-feira, 12 de julho de 2010

Planícies de memórias...


Música PBC



No percurso fluido da ascensão

galopam em silêncio

planícies de memórias e unicórnios de cristal

e calam-se mais fundo

no ventre

acetinadas gemas de safira

ou, como volúpia e história rasurada

a sombra dos planetas maiores

clarificando-se

quais impolutas silhuetas de amor

os oceanos de prata

onde deposito

já crepúsculo

o olhar

acobertando os sentires


E é aí que

nos umbrais das manhãs submersas

entre umas e outras

distingo e depois sorvo

esses mares em que naufragas

gotas de orvalho

a permanência

a saliva

e a memória dos frémitos com que te fazes desejo

por um só destino

e as palavras que nunca vencerão a noite

se nos braços de uma metáfora te resumo

no todo ou no anseio dos beijos em que afinal nunca partiste

sonho atrasado

e alma com que respiro

o éter que me devolves

o cais onde aporto a razão do teu olhar

meu vulto

erguendo na miragem do horizonte

uma única ideia

ou o resumo do canto das sereias

no percurso fluido da ascensão


PBC

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Escrever...

Uma maçã assada, 1 fatia de queijo flamengo, um copo de cola, a última cápsula de descafeinado, todos os cigarros que consigo fumar antes de mais outro, e, quase maldição, uma irresoluta vontade de escrever, escrever, não sei bem o quê nem tão pouco porquê, escrever duma assentada todas as fugas e pedras da calçada percorridas na urgência de me apagar nelas, todos os bancos de jardim aonde me apetece pernoitar tendo por única companhia o vazio e o rio seco do meu próprio olhar focando para lá do inimaginável, e do que o seca, a voz quebrada das candeias iluminando debilmente as paredes esboroadas das vielas assombradas pelo grito das casas famintas, todas as sombras amaldiçoadas com que enganar a luz por detrás delas... esquecer-me de mim...do que fui, do que sou e do que talvez nunca venha a ser, ou, quem sabe, até venha. Assomar-me na orla dos precipícios que jamais se esquecem, projectar-me na inquietude dos dedos rasgados pelo desvario; um querer fugir, não do/eu mas do que teimo em não me caber. E embalar-me ao som de nada, já que só assim descubro que hoje, escrever, não é mais preocupação semântica, retórica, o jogo do verbo com que mimar e fustigar a tatuagem da acalmia com tições boiando-me como pestilências cozinhadas no estômago enfartado, a curte dos termos que já não me são, hoje as palavras que me curtem...

E é este contínuo desentender da massa de que são feitas as prementes necessidades de me desculpar da vida, ou a ela me escusar, escrevendo... se me mastigo de todas as vezes em que unicamente me ocorre escrever porque se impõe nada mais fazer do que reinventar-me em palavras surdas...como se só assim me pudesse rever ou sentir por inteiro no lugar do universo, todo por completo, no preencher da pele em que nem sempre caibo. E escrever, escrever o delírio das horas tardias numa folha vazia, a brisa arrepelando-me as penas das asas ensandecidas, em memória do teu olhar lambendo o rasto que deixo para ti...

PBC

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Inspiração

Foto PBC

Viva eu a transfiguração dos despojos que se instalam após os silêncios, em palavras que me agarrem ao sentido do vazio, ou da muda da pele que na ponta dos dedos se acossa, que te segredo ser certo que na extensão do horizonte onde te assomas em meio à nostalgia resido em rebuscadas silhuetas atiçando sinais de fumo: amordaçado grito ecoando no único verbo com que, se por ventura não me alcanças, no limite, desejas entranhar-te…se me devolves a delicadeza dos sonhos proféticos, o corpo, e em ocultos códigos estelares a pelica do odor com que enfeitas os cantos à casa e a boca de à noite sossegar…inspiração...

Paulo Barros Cardoso

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Words

Video no YouTube

Por vezes, não sei se acontece enamorar-me pela essência de certas palavras, se, porque me tangencia a pele, sou permeável à alma de quem as escreve. E tão pouco sei se é um estar nascido do sonho ou aquiescido pela eternidade. Somente que me conduz ao desejo e a uma estranha saudade.

Por isso, sabe também que é aí que cobiço silenciá-las e deixar que delas, na vertigem dum eclipse sentenciado pela fome de entrever o reflexo do desconhecido, sejam prenúncio de saliva as que me levam à procura… Se renasço na perca do solo onde enceto o voo e me faço chama… se há palavras de luz.

PBC

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Silhueta...


Sei que amanhã, ao olhar as nuvens despedaçando a linha do horizonte dobrarei a esquina do sonho e, do breve murmúrio do desejo com que desenho na pele a silhueta do teu nome farei morada do suspiro e de vertigens de magma… Depois, sempre que os teus gritos de fome devorarem no espaço as barreiras do silêncio, na concha das mãos, como quem acolhe o possível voar além, deixarei nidificar penas brancas, o luar e o eco da brisa que ao adormecer me afaga os segredos que na língua te reservo, e a origem das salivas geminadas… Mas hoje, nada mais sou do que o fumo das chamas donde me chamas…

PBC

terça-feira, 25 de maio de 2010

Este país é um espectáculo...

Foto PBC



Este país é um espectáculo…

Não, não venho falar do rombo no BPN e das suas consequências na economia contributiva, nem das que se sabem, pelo menos quarenta e cinco crianças vitimas diárias de maus tratos e abusos sexuais, nem do facto de, como se muitos mais houvessem, sermos o vigésimo sexto país da Europa no que respeita à qualidade dos serviços de saúde, nem dos puníveis pavoneando impunemente as suas calotes, nem do discurso das Manuela Ferreira Leite nas soluções para o ensino, nem do vale e Azevedo, nem de outras misérias semelhantes, porque isso não interessa a ninguém e já é passado.

O presente, uach, de diferente ,só mesmo a vovuzela.

Mas pronto, adiante, venho, isso sim, falar da minha mais recente descoberta que, para além de mim, também não interessa a ninguém.

Sabem que Portugal é uma referência no minimalismo, na arte do minimal? Pois, claro que não sabem. Eu próprio, até ontem, desconhecia por completo esse facto.

Para que entendam, importa falar-vos da minha mais recente aventura que não foi pôr-me a jeito nos novos acrescentos da IC 16, essa obra prima da engenharia e planeamento rodoviário; enfiar-me nos túneis do metro de Lisboa, isso sim é aventura.

Sim, como costumeiramente, após o fecho dos filmes e entrega da viatura, impondo-se o regresso ao lar, uso apanhar algum transporte.

Ontem, ao contrário do tempo das vacas gordas, e porque as vacas permanecem mas ao invés de nos darem alimento tentam biscar-nos o pão e o leite, em vez de apanhar um táxi, decidi-me pelo metro. Ora, qual não é o meu espanto ao ser repentinamente confrontado com aquela recorrente frase que usa povoar-me os impropérios que costumo atirar ao vento, quando, uma vez mais, concluo que Portugal, ainda que bem o tentem, não é um país talhado para o turismo, mas exclusivamente para quem o conhece. Sou mesmo tentado a pensar que, apanágio da nossa desconfiança típica, construir um país tão enredado em labirintos, falta de indicações e rotundas tão retorcidas que nos trocam os olhos, fazê-lo está na base da segurança nacional e da precaução às invasões inimigas. Qualquer força de ataque que nos invadisse, depois de perder o norte, ou entrar em depressão logo na primeira rotunda ou diante da primeira placa de sinalização, desistiria imediatamente de se querer entrincheirar neste nosso pequeno Portugal. E porquê, somente porque somos os mestres do minimalismo. Ele é o mínimo de informação possível referentemente a acessos, a contas públicas, a informação burocrática, ele é placas colocadas tardiamente em cima dos desvios, ele é o que se papagueia e não se vê; em fim; ele é o que na realidade se traça e não se nota.

Bem, mas dizia: Chego eu ao metro, procuro indicações que me conduzam a bom porto, e que vejo eu? Setas com caravelas, gaivotas, tudo muito lindinho, minimal e “depuradamente” engendrado, apontando a direcção da última estação, mas só para quem sabe que é assim. E o mapa do traçado das linhas? E o mapa do traçado das linhas?!! Que nem um ignoro na minha própria terra – porque na dos outros nunca me perdi – de olhar esbugalhado e tentando focar além dos olhos em bico, perscruto à direita e à esquerda, reparo no olhar piedoso dos que dominam a situação, ainda ouso considerar se não serei ainda o artolas que querendo ir para o Carregado foi dar a santa Maria da Feira, mas cedo concluo que não, e que, para não dar por fácil o regresso a casa, tenho que descer a uma plataforma à escolha, e se por ventura não for a correcta, lá ter que subir e descer de novo as escadas, porque o tal do mapa só existe mesmo nas plataformas ou ao alcance de olhares distraídos que por mero acaso os desencantem.

E se desencantem é o termo, perante esta ordem de factores não será desencantado o meu sentimento nacionalista.

Mas que aquela sinalética minimal fica bem na paisagem, aí disso não tenho dúvidas.

PBC



És palavra de cristal que se refaz no reverso do olhar humedecido

reflectindo o toque com que na ponta da língua semeias fantasia

ou a espuma do mar esquecendo vagas de tempestade

o doce marulhar das pequenas ondas alisando num único embate a falésia escarpada

o silêncio mimado que esconde a ofegância dos sentidos duplamente despertados

no abraço estendido

o mistério secular

que se entrecruza no tempo em que os olhares passados falavam de presente

a casa que se larga sem se deixar de voltar para chegar e partir para nova viagem

o circulo que antecede o espaço projectado pelos dedos que se tocam bravios

e a fada

que ao respirar à superfície da pele o nome das horas

guarda no ventre as cores da aurora por inventar

E és essência

os caminhos estrelares amanhecendo-me no galope do sorriso alargado

o lume brando atiçado solenemente pela exactidão do sopro dos elfos vagabundos

o virar sem pestanejar mais uma página ao coração escancarado

as teclas do piano ressoando no crepitar da madeira empilhada ao canto das bocas de mel

e os passos descalços gastando o frio aos soalhos por varrer

o gesto rasurado que recompõe o leito à chegada do ósculo

e um não sei que nome dar ao suspiro

já que és

o pouco mais saber

do que o saber que estou

ou que não estou

se por acaso não acordo

em ti

PBC

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Porque se compartimenta o universo...



Quem por senti-la lhe chega, certificando-se de conhecer não a verdade sobre mas apenas a verdade, quem sabe se a essência de ser-mos, porventura o derradeiro reduto com propriedade bastante para, dispensando motivos, chamarmos-lhe casa onde pacificamente caminhar-mos nus, descalços e livres, sabe não haver razão na verdade ou sequer existir silêncio numa troca de olhares espelhando a única condição que importa, que é a de ser-mos; e sabe, sem necessidade de codificá-los para os comunicar, sabe ter a mesma valência tanto um sorriso como uma lágrima, tanto o ter-se tudo como o nada se ter, tanto o estar como o partir, e tanto o estar verdadeiramente vivo como, quem por está-lo, sabe morrer.

Por isso te digo que, para ser onde tão-somente me és existes aonde nunca deixei de te ser, e que é urgente mergulhar até onde palavra alguma me encontre em ti e só a essencialidade de me despojar de mim conduzirá à única verdade residente na satisfação duma lágrima: O bastar sentires donde nasce tudo o que te sou…

Porque se compartimenta o universo sempre que se fundamentam verdades, ou, divinos, o amor…

E é isto que encontro em filmes como o Gladiador, o Brave Heart, ou o Instinto, filmes que contrapõem a dualidade do que sabemos ser a nossa própria justiça, e me falam do sentir e viver a coragem de ser-mos o que, dispensando terminologias, poucos ousam conquistar, e, por senti-lo como próprio, a quantos faz chorar…

Digo-te ainda não existir legitimidade em verdade nenhuma que não nos mostre quão carente é a felicidade do choro… e que ilusória é a razão do verbo…

Tudo o mais saberás ao chorá-lo…

PBC

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Penso nisto...



Está tudo doido.

Já não se trata de crise mas da falência deste modelo de educação social em que ensinar a lutar pelos direitos e legitimidades individuais e colectivas é substituído pelo precoce incentivo ao engolir sapos vivos.

Está mesmo, está tudo doido. E o mais engraçado é que nos iludimos com o facto de nos ser mais vantajoso o escapismo do que olharmos de frente para as consequências generalizadas que tal acarreta quer para o indivíduo quer para o colectivo.

Chamando os bois pelos nomes, esta não é uma falência dos sistemas imposta exclusivamente pelos órgãos de decisão e pelo poder das instituições mas sobre tudo uma falência com a qual pactuamos logo desde a sua gestação, porque nos complica compreender que a canalhice e injustiça reinantes só são possíveis na medida em que, para manter e alcançar poder, status, proveito, ou mesmo, em ultima instância, garantir sustento, acobardarmo-nos diante da verdade e refugiarmo-nos no mutismo torna-se moeda de troca mesmo que nos conduza à frustração e revolta silenciosa. E isso paga-se com depressões e outras pandemias mentais e emocionais em crescente proliferação.

Engraçado também é o facto de que na maior parte das vezes, quando se narra a realidade dos factos, os que lhe dão convictamente forma negativa consideram estar-se a falar mal deles. De facto isto é esquizofrénico, quer dizer, perverso. Sempre pensei que pelo falar-se a verdade acerca de alguém se estava a legitimar as suas pretensões e a enaltecer as suas capacidades de levar por diante aquilo em que acredita. A única explicação encontrada para não ser assim é que, tal como nas fábulas, enquanto os lobos se conseguem manter disfarçados de cordeiros vão conseguindo comer o rebanho. Queixamo-nos de haver uma perversão de valores mas somos nós quem na realidade os perverte, porque nos ensinam o conforto das suas vantagens mesmo que se virem contra nós: Suicidários acalentando o desamor para com os nossos educandos e filhos.

Não é de estranhar que, carente de amor , como nunca, a sociedade esteja pautada pelo crescente desenvolvimento de toda uma série de patologias psiquiátricas e pelo desencanto do próprio individuo ao ter-se na realidade.

Por exemplo: O obscurantismo vivido em diversos sectores já não se prende com o facto dos seus actores se defenderem uns aos outros mas, sobre tudo, a si mesmos. Todos sentem mas ninguém ou poucos falam, e enquanto não, independentemente de nos magoar e zangar continua a reinar o abuso, porque, enfraquecidos, permitimos, atirando para terceiros a culpa do que acaba por nos ser concedido. Só que com isso não papo porque os meus pais sempre me disseram ser feio colocar a culpa nos outros, sendo igualmente responsável pelas minhas escolhas, decisões e atitudes.

Vai na volta quem estava doido eram eles.

O mais que sei é que segundo os especialistas o cinismo é uma vertente da raiva que, uma vez atingindo o seu limiar conduz a convulsões. Se se torna cada vez mais difícil pagar psiquiatras não seria mais sensato aprender a cultivar a verdade do que chegar a elas? Se calhar não. Preferimos continuar na cantilena das queixas e choraminguice e a dar desemprego aos psicólogos produzidos em barda.

A sério, devo estar mesmo doido e passei do pensamento à fábula vendo como uma rábula falseadora isto de, se não crescermos no sentido de ser-mos fiéis à verdade nunca teremos a capacidade de ensinar aos nossos filhos o senso de dignidade adveniente da legitimação dos direitos e garantias herdados à nascença.

Penso nisto…

PBC

quarta-feira, 12 de maio de 2010


Não, não falo do sub-mundo ciber-espacial onde, agora, ultrapassada pelas redes sociais a pornografia atinge o seu apogeu e, o vicio solitário – sim, porque é sempre às escondidas que lá se vai; e não digam que não – retira ponta ao viver ao vivo e a cores, mas está na ordem do dia masturbarmo-nos em frente ao computador disfarçando de opinião e partilha de valores, doideiras , fantasias, tristezas ou até a exibição da gata da vizinha em férias nas Antilhas, a sexualidade reprimida disfarçando o mutismo e a solidão em legítimo autismo, que será o mesmo que dizer que é bem viver em duas frentes exteriorizando numa o que por vezes noutra se queda pela mera tentativa.

Benefício dos tempos modernos ou; numa espécie de instinto de sobrevivência em que a máquina como extensão da nossa pele reclama o seu papel no eco-sistema; legítima rebelião contra o individualismo e isolamento para o qual nos empurrou esta sociedade descaracterizada de valores que saciassem as nossas fomes mais profundas.

Mas o que quero mesmo referir é o facto de também ser moda ter um blogg e obliterar a causa da partilha de informação em infindos cortejares do próprio umbigo. E digo-o já sem saber se falo contra mim ou a meu favor, porque em boa verdade agrada-me a ideia de tentar globalizar o que me vai na alma nesta espécie de fecundação autista onde o sémen que daqui sai raras vezes produz petizes que valham a pena. É um facto. De qualquer forma não me consigo abster de analisar segundo a minha própria ordem de ideias esta coisa que para aí anda onde, - e friso que talvez seja só a minha implicância – por vezes mal distingo ter saído de um blogg e ter entrado noutro, tamanha é a semelhança temática, estilística, semântica, ou opinativa: Uma espécie de contra corrente produzindo a corrente do momento. Há de tudo, desde o – ò pra mim na Antárctida até ao - ò prá minha ideia sobre a ideia, sobre o Sócrates ou sobre os Led Zeplin, ou ainda, - Olha, curte lá esta.

É, assim se fode hoje em dia, e, quantas vezes, em última instância, o juízo aos outros. Mas é salutar - penso eu de que – exercitar a retórica umbilical neste pretenso aquiescer de relações extemporâneas com a actualidade, nem que seja para deixar uma indelével marca da nossa passagem pela vida, sem produzir-mos grande coisa, como é próprio da masturbação, zelando, a distintos níveis, pela qualidade do esperma e libido.

Nunca antes afagar o ego foi tão versátil, tão fácil ou possível, nem alcançou ilusoriamente tamanha distinção. Sei lá, acho mesmo que nunca antes se produziu tanto ruído em torno do que quer que fosse, levando-nos ao esquecimento da boa nostalgia de contemplar os enchidos no fumeiro. Enche-se por se encher sobre uma capa de intelectualização, cultura e mundanismo, que, em boa fé, assim se torna, numa cultura de janela aberta apensa a novas maleitas, viroses, e outras oses que tais.

Em fim, vive-se a masturbação sem preconceitos, e com o preceito de se ser para o olhar alheio antes de mais nada, desfrutando de um poder pretendido como descentralizado, mas, também aqui, viciado.

E por aqui me fico, pois, de tanto gostar de me ouvir a mim próprio, esta coisa pode tornar-se patológica.

PBC

sexta-feira, 7 de maio de 2010



É ao revolver o vazio dimensionando o silêncio que se sucedem fantasmas: Imagens que, se trazem o fundo do tempo reverberando-me na memória, desenleiam nadas como quem amarra a eternidade a um rosto sem idade…e futuros onde larguei sombras que o olhar me aprofundam… talvez amor...

...no silêncio...

...larguei às sombras...

...o fundo do tempo...

...em sucessão de fantasmas...

PBC

terça-feira, 4 de maio de 2010

Cena 1



Cena 1 - Ext. DIA / FRENTE AO APARTAMENTO DE SUSANA

Vemos caminhar pela rua um homem com ar de executivo ou empresário, bem aprumado, de fato e gravata, que repentinamente apanha com um ramo de rosas vermelhas em cima da cabeça. Apanhado de surpresa assusta-se e tenta defender-se, fazendo com que o ramo acabe por lhe ir parar às mãos. E olha para cima.

Pelo meio ouve-se a voz de Susana que fala aos berros:

SUSANA
Não és digno de mim; não quero esta trampa pra nada!

PBC

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Palavras cristalizadas...



Porque me incomodam os brancos vazios das folhas dos diários, sem que saiba qual o destino a dar-lhes, antes de as abandonar à solvência e ao destino, uma a uma amontoo ao canto da sala todas as palavras soltas desprovidas de sentido querendo afirmar-se sem consistência na existência de ocultas construções semânticas, precavendo-me talvez para o seu necessário uso em dias quadrados, dos em que aspirar o residual aroma das letras a pouco mais me transporta que a clandestino sorriso espreitando contrito lúcidos universos banais.

Ao abeirar-me delas há uma primeira que me acena. Transformo-a em verbo evoluindo pelo canto das estrelas cintilando na permanência do desejo: sombra de um qualquer musamento vertendo-me tinta na pele dos dedos...

Ajoelho-me junto ao monte e, alí, encostado à parede onde recoloco em caixas seladas todas as feridas resumidas no rasar das asas inflectidas, sorvo a cadência sustida do ar percorrido em alegóricas desfigurações de silêncios decompostos em água. Escolho ao acaso mais duas que, descaídas, me chamam à atenção pela pacatez dos contornos, e num relance aritmético a que faço alhear os gestos empreendo a arquitectura doutro sonho de poema atrasado. Reergo-a na palma das mãos e a sonolência dos mistérios quantificáveis assalta-me como certeza acetinada suportando o pesar dos dias galgados em passo planeado. Traço-lhe a escala e só então me faço compreender em espongica atitude; quiçá vísceras atendendo à urgência do reacerto das horas onde sou palavra tenuemente balbuciada ou esquecida de nela me incorporar pela manhã.

Por isso levanto-me e, circunspecto, rodeio as palavras já quase cristalizadas amontoadas ao canto da sala, aguardando o tempo onde prencher com elas o restante espaço vazio do ideário arrecadado. Beijo a última, a ocasionalmente colocada no topo, e atiro-me abstrato ao leve som das teclas do pc reagindo num esgar de ciúme, evoluindo no branco da camisa donde retirei à pouco o maço de cigarros...Suspiro, mas não sem antes descortinar o nome do termo em falta no monte, já revoltoso pelo mutismo a que eu próprio o obrigo.

E como desconhecido que me pareceu nada lhe chamo. Deixo-o cair.

PBC

sábado, 1 de maio de 2010

Libertando-me...


Já que é no ser estando que falo pelos olhos e deles extraio o início das veredas que ao coração, leve, me conduzem, alimento a harmonia das formas que trago do existir sem tempo ou espaço definido… …

Porque hoje, falar pelos olhos é como cantar pelos dedos e ouvidos e, agigantando-os, navegar pelas cordas duma harpa prolongando o compasso da eternidade nos gestos banais, a eito ao todo, suspendendo-me acima do existir agora: Delicadas pétalas de lótus circunscrevendo a perenidade das certezas guardadas nos fiapos da memória; libertando-me…

PBC

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Basta-me ser...

Há dias em que no vago lugar do tempo desfiando a essencialidade do vazio, ao olhar, somente urge interpelar o silêncio que o acomoda.

E deixar que dele meramente reconheça os contornos da latitude do pensamento estagnado é o possível aquiescer de toda a vontade de entrever para lá de mim. Aí, tão pouco o sentir parece fazer parte da razão encontrada no nada mais me satisfazer do que somente estar, já que tudo após se reflecte como vão e o pouco que me embala é a certeza de que, para me encher, basta-me ser.

PBC

Arte Povera



Arte Poveraem português Arte Pobre – não é o enquanto apaixonado sufocar na ausência, nem é a difícil arte de teatralizar uma compostura digna ao olhar para uma montra com 147.000 € de Porche Caene quando se é obrigado a repensar valores para qualquer casa idealizada. Tão pouco ditará ser dos pobres a sua prática. Pelo contrário, enriquecem os que melhor lhe dão forma.

Quantos, ao me verem empilhar e associar o que me caia nas mãos me disseram estar a fazer a dita sem que na minha ignorância imaginasse ao que se referiam? Pobre de mim que nunca vislumbrou que no irrequieto e inevitável educar do olhar explorando regras de composição e espacialização de emoções reciclando tralhas, trastes e restos para encontra neles novos elementos pictóricos, quando o faço sem pretensão de maior que não seja olhá-las e pronto, faço Arte Povera. Só que ao contrário dos que ousam torná-la quase eterna, o mais que faço é curtir-me nelas, destruí-las após conseguidas, por vezes fotografá-las, ou deixá-las desmoronarem naturalmente. Dai chamá-las de instalações efémeras. Quem na fugaz existência desse meu íntimo festejo da forma alegórica as viu, viu, e quem não viu não viu. Tanto faz terem dois metros ou dois centímetros, são o que são, o tudo esconder a continuidade da forma para além da sua descrição imediata, e tudo ter uma relação extemporânea, pluridemiensional e simbiótica com a impermanência no olhar que as capta e reconhece antes dos pormenores que lhe dão corpo e depois do corpo que lhes reinventa os pormenores.

Lembro a primeira vez, o Inverno de há mais de vinte atrás, eu e a nortada por companhia, na praia da Galé, recolhendo a refrega dada à costa, troncos, cordas, pedras, garrafas e sacos de plástico e um sem fim de dejectos reclamando breve e nova identidade na continuidade dos ciclos materiais. Finda uma semana, erigira ao longo de toda a praia dezassete aspectos de privada relação metafórica com o planeta em imponentes esculturas de lixo. Além de umas quantas gaivotas, da areia, dos seixos e do vento, gosto de pensar que só outro doido as viu, alguém que esteve na eminência de ser amarrado a um dos troncos e, como tendo igualmente dado à costa, quase se tornou no elemento humano em falta: Um norte-americano, conhecido realizador de cinema que zarpara de casa, fugido da mulher, e que decidiu colocar a caravana mesmo no eixo da foto que, para registo, impunha-se-me. Qual desenterrado tresloucado, andrajoso, de melenas escorridas e oleosas, assanhado por todo o vinho que conseguira beber, acorreu para mim de punho em riste, pretendendo ser eu um paparazi pago pela esposa que, dizia, lhe infernizava o juízo. Feitas as apresentações e apaziguados os ânimos passou-se ao convívio e a uma longa tarde de prosápia na qual me garantia que para além de eu ter que vir a conhecer o Roman Polansky pela mão dele, deveria pirar-me também eu para as terras do tio Sam, pois lá, sim, aquelas aritméticas de tempo-forma-emoção-espaço, seriam valorizadas. Claro que não só não me convenceu a largar a minha pobreza como quem na manhã seguinte tinha sido arrastado pela maré junto com as esculturas tinha sido ele. Aliás, deste foragidos às amantes vieram-me mais, bem ao género de “arte povera”, como quando o primeiro baterista dos Gun’s & Roses, mais parecendo um tronco estilhaçado pela intempérie, envolto em farrapos, apareceu-me pela frente a dizer que a namorada lhe cancelara as contas e todos os cartões simplesmente para conseguir seguir-lhe o rasto. Tive dificuldade em acreditar que semelhante personagem fosse quem era, pelo que, por precaução, porque já antes me inteirara do traiçoeiro valor das aparências, não fosse perder o motivo, fotografei-o e pedi-lhe um autógrafo que guardo religiosamente num qualquer álbum esquecido naquele imenso relicário de memórias coleccionadas que permanece em casa da mãe para justificar o pretexto de considerar que enquanto poder remexer nas lembranças arrumadas poderei voltar sempre. Só acreditei no pobre no dia seguinte, quando o vi passar de braço dado com aquelas imensas pernas loiras lindas de morrer. Ela uma estampa, ele um hino à Arte Povera.

Outro hino à Arte Povera vivi-o no dia em que, na Basileia, numa vernissage da Chopard acabei fotografado ao lado dos 750.000 € de gargantilha exposta no pescoço da actual primeira-dama de França, e a fotografar a Naomi. Também aí, porque estando eu pacatamente a comer a minha lagosta, como se não houvesse ninguém mais interessante e menos pobre na festa, a maré trouxe para a minha pequeníssima mesa nada mais nada menos do que o anfitrião. Povero de mim que a partir daí me senti um objecto transformado em relíquia para juntar àquela composição ou performance que mal cheguei a compreender.

Entendo agora que o mar não só trás como leva e assim leva como devolve. Daí mal expor as minhas instalações efémeras. Ainda acreditei não o fazer por via de também ter passado umas férias a construir o que quando me preparava para o emoldurar, distraindo-me, alguém o colocou no lixo por pensar que o era, não imaginando que é no reciclar do lixo que me habita que me “cristalinizo”. Foi o que senti em Serralves ao desembocar numa exposição de Robert Rauschenberg, sobe o título de “Em viagem”. O que dele vi - pop art - lebra-me trabalhos de arte povera.

Agora diz-me: o que é Arte Povera; é o sufoco do labiríntico amar, sou eu que não quer expor/me/te, ou é criar com tudo o que tudo pode ainda ser e talvez nunca venha a ser para além do olhar?

PBC