terça-feira, 27 de novembro de 2012

Preparado para ser pai?



De facto, há sonhos que se transformam em pesadelos e pesadelos que nos mostram quão ingénuos somos ao depositarmos expectativas nos sonhos. É mesmo. Querem lá saber. É que hoje tive um desses sonhos acabados em pesadelo e...


Estava eu feliz e contente no meu mundinho, com um sorriso parvo até às orelhas, na presença do Deus todo altíssimo e magnânimo, a ouvi-lo dizer que “o já ter uma respeitável idade em que saber o que queria e não queria da vida, cimentado com o conhecimento e esclarecimento acerca das coisas, ia permitir-me beneficiar descansadamente do desejo de ver crescer o meu núcleo familiar no aconchego e paz dos anjos. E que após engravidar a minha mulher, eu, enquanto progenitor, teria  - notem bem, teria - uma sacra gravidez e uma plena paternidade, como manda o figurino, onde o espaço para vivê-lo intima e tranquilamente seria incólume, sem perturbações nem interferências de quem quer que fosse”. E como era o altíssimo magnânimo a dizer-mo, parvo, burro que sou, claro está, porque continuo igualmente a colocar infundadas expectativas nas questões, ia acreditando nele. E assim foi até ao momento em que como em todos os sonhos, repentinamente já a criança nascera e, ali mesmo, no quarto dela, em adoração e regateando piedosas parecenças com elas mesmas um cem numero de pessoas puxava a brasa à sua sardinha. De um lado, como numa batalha campal, avós maternos e paternos diziam ser parecida com eles e de arquitecto a fuzileiro ia ser de tudo. Do outro, cerrando fileiras, os irmãos, uns a dizerem irem dar-lhe pêssegos todos os dias, outros abacates e ginjinhas e outros ainda saias pintadas e botas cardadas. Tios, bisavós, a criada da vizinha, o padeiro e até mesmo o meu gato Zé Manel, por seu turno também iam dando umas bicadas dizendo há vez ou em coro: Não não, é é parecido comigo e vai ter diariamente discos do Nelson Ned, botas de caça, repenicados e atordoantes beijinhos, caçadeiras, e até havia quem dissesse açaimes. No alvoroço nem sequer me viam posto a um canto, de olhos completamente esbugalhados e cheios de interjeições por nem sequer conseguir aproximar-me na tentativa de ver se a criança não seria mesmo era parecida comigo. Mas não, nunca cheguei a ter oportunidade de constatá-lo porque, formando uma barreira na qual a sufocavam lhes parecia mais importante formularem parecenças que lhes dessem certeza dos seus géneses em supremacia serem o salvo conduto para todo o tipo de direitos imaginários do que lhes ocorria constatarem que a criança, estupefacta como eu, já começava a peidar-se, a arrotar e a desejar nunca ter caído ali. Nem quando a pobre desatou num berreiro aquela gente deixou de se digladiar quanto às parecenças. Um quadro dos infernos, dantesco diria mesmo. Foi quando já importunado com tudo aquilo decido chamar o altíssimo e perguntar-lhe o que se passava ali. Afinal, não me tinha afiançado ser uma santa gravidez e uma salubre paternidade e que tudo correria como num sonho? Algo trocista, do alto da sua sabedoria respondeu-me que “o meu problema era e sempre tinha sido nunca escutar com atenção o por ele dito. Tinha dito que TERIA e não que iria ter”. "Ora, - disse-me o magnânimo - há uma grande diferença entre uma coisa e a outra e só os tansos não se apercebem. E se não sabia distinguir a diferença entre uma coisa e outra então era porque afinal nunca tinha estado preparado para vir a ser pai. Portanto, desemerdasse-me. O problema já não era dele mas meu.” Retorquindo ainda tentei alvitrar novamente os meus direitos mas o todo poderoso, já pelos cabelos quer comigo quer com o passado em redor decide lançar um raio seguido dum corisco e ploft: Uma nuvem de fumo espalha-se, a malta fica toda banzada e um silencio lúgubre invade o ambiente. Reparo que as pessoas começam a afastar-se desoladas e quando por fim tudo parece amainar vejo a criada da vizinha consternada e de mão na cara a dizer: “Ah, é mesmo parecido comigo”. Aproximo-me e, de olhos esbugalhados, vejo então, diante de mim, sentado no berço e de nariz torcido, um bebé tão escurinho como uma tição, com a cara do José Eduardo dos Santos, mas com barba. O meu queixo cai e tenho de me segurar à parede para o caso de acontecer desmaiar de pé. Aproximando-se em tropel e travando a fundo, o Zé Manel olha para mim e diz: “Bem, pelo menos não está tudo perdido. Se vires atenta e gratamente, assim não terás de levar com eles a reclamarem sobre o menino direitos de primazia, sucessórios, de posse, guarda ou educação. Até agora são só lucros, portanto põem-te lá manso e trata mas é de acudires ao teu filho. Ainda nem mamou. Cheguei a achar ter antes estado a falar com o demo em lugar do divino, mas não, tinha mesmo sido com o altíssimo. Ainda mal havia tido oportunidade de me refazer do choque e, levando pela mão uma geringonça tecnológica de origem chinesa a que só os angolanos têm acesso, entrando pelo quarto dentro, surge o próprio do José Eduardo. Aproxima-se do barbudo, dá-lhe um grande abraço, um beijo na boca, e diz: "Vem a meus braços, meu neto, tu, o primeiro neto luso africano da minha dinastia, aquele que há-de resgatar os males dos meus sonhos agora que me aposentarei e me dá jeito a dupla nacionalidade. E a criada da vizinha, como um peixe abrindo repetidamente a boca para fazer bolhinhas, continuava estupefacta e a proferir num murmúrio: -“Afinal é mesmo parecido comigo”. Já farto de assistir a tudo aquilo, na tentativa de resgatar a minha virilidade ferida e perdida, como se diante do quadro algum direito de satisfação ainda me assistisse, de sobrolho levantado, dirijo-me ao presidente quando, antes de alcançar o esboço da primeira pergunta, sem apelo nem agravo o gajo saca da geringonça, dirige-a para mim, carrega num botão encarnado e um flash transforma-me num espermatozóide. Retira do bolso duas lamelas de microscópio e espeta comigo entre elas, atirando-me seguidamente para junto do muda fraldas. Claro está que daí em diante, espremido entre os vidrinhos, com a boca completamente retorcida de forma a parecer estar sempre não se sabia se enjoado se sorridente, eu, desgraçado de mim, passo a sentir-me não um espermatozóide mas uma amiba espoliada a quem não importa atender. A mais, o presidente, ansioso de poder satisfazer as suas carências e dependências amorosas nos braços do neto começou a ir quotidianamente lá a casa. Já não me bastava estar naquele estado e ainda por cima tinha de levar com tudo o resto. Invariavelmente, acreditem, nesse pesadelo passei a ter todos os dias o Eduardo dos Santos a entrar pelo quarto dentro e a atirar para cima de mim nuns dias uma brochura enaltecendo as virtudes da desova da sardinha na educação das crianças, noutros uma sobre os benefícios dos camafeus de lapela na segurança delas, noutros outra sobre os benefícios da carraça nos afectos e, noutros ainda, sobre o peso que os diamantes tinham no fortalecimento da dentição delas. Vocês estão-se a rir mas não sabem o que é estar ali transformado em espermatozóide que se sente uma amiba, a ler tudo aquilo sem poder sequer balbuciar o desconforto de ter a vista toldada pelo desespero. A sorte era que por vezes o Zé Manel chegava e com uma patada afastava a brochura abrindo uma nesga pela qual me chegava alguma luz e me ia inteirando da interacção do homem com o petiz. Um dia por exemplo, com a criança completamente enojada com a baba dele e a dizer não querer mais amaços e a gesticular desaustinada, espreito, e dou com o homem agarrado às barbas do miúdo e a sorve-las como quem chupa as barbas a um camarão de Peniche. Um cenário arrepiante. Isto para não dizer da vez em que, fazendo-se substituir ao puto, enfiado no berço, o José Eduardo começou a fazer-se de bebé e, acusando-o de traição começou a exigir dele uma solução para a economia mundial. Degradante, digo-vos. E à minha mulher nem nunca mais a vi na zona.



Agora digam-me lá: Com um pesadelo destes, acham mesmo que estou preparado para ser pai? E que o acordar por vezes aos berros é anormal?



PBC

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Pouco me importa...


Pouco me importa que da verdade te evadas, ou mesmo a tua, se for a minha falsidade e se, por vezes, para que te pudesses insurgir contra o amor e lhe chamasses cruel, como um Deus compassivo fazendo sofrer pela verdade gostaria de ta enfiar olhos adentro. Mas pescando-te as fragilidades erigindo a mentira, ternamente, deixo-ta como verdade. E no entanto, esta, vale o que fortifica e limita, por ser apenas a minha, essa realidade que nem que me faça tombar ou sofrer me trará outro existir que não a compaixão da autenticidade. E tanto se me dá como não o pretenderes-te diferente, que sou alma divina exigindo ser acolhido pela inteireza em corpo de homem não preparado para lhe abrir a porta. Mas sim nesgas de janela. Depois, se não mais que a mim a ti respeito, também não te exijo a condição da justeza, nem à tua mentira me consinto. Por isso, tem a amabilidade de não te venderes nem amuares como um Deus menor mal conseguindo ser homem vencendo a fraude; já que a mim meramente a consistência convém. 

PBC