quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Moralismo?

Não consigo deixar de pensar nisto sem considerar que, no mínimo, andamos é quase todos a dormir. E porquê? Porque, de facto, é-nos mais fácil imputar culpas e responsabilidades a terceiros do que olhar-mos um pouco mais para nós mesmos. Quer dizer; olhar até olha-mos, mas sobre tudo para os nossos umbigos.

É assim, somos assim, preferimos apontar o dedos a direccioná-lo para nós. Falta-nos maturidade para saber-mos ser governados, não cair-mos nesta dose de histeria colectiva ao chegar o aperto. Sabê-lo dói, tanto quanto dói olhar-mos corajosamente ao espelho, tanto quanto nos desorienta e zanga o confronto com os nossos defeitos mais “envergonhadores”.

Já outras vezes me referi à crise, como sendo, em primeira instância, uma crise estrutural de valores, logo nas bases, e por mais que me tente esquivar desta premissa é-me difícil encontrar outra perspectiva.

Mas mais caricato ainda é sentirmo-nos impotentes quando o poder governamental é conferido pelo nosso sufrágio. Será que ao elegermos governos colocamo-los lá por não existirem alternativas ou porque o que a sua liderança eleitoralista nos induz é à fé de que poderemos continuar a perpetuar o escapismo e a adiar o intimo crescimento?

Em verdade, sem sequer parar-mos para entender ser impossível obter o melhor de todos os mundos, mantemos, no colectivo, e individualmente, padrões comportamentais promíscuos, vivendo numa perversão de valores. Mais confortável e não requer responsabilidade.

Também me pergunto se exigimos o que não oferecemos. E não incluo aqui aqueles indivíduos que fazem a excepção e o seu maior pecado é viverem no contra-corrente, engrossando a falange dos ditos ingénuos, sonhadores, otários, ou o que mais servir para lhes nomear a bonomia e a crença num mundo mais justo, pacifico, harmonioso e equilibrado.

Se entender-mos que antes de mais os governantes não fazem a identidade de uma nação mas exclusivamente representam-na, e que em concordância com a existência dum inconsciente colectivo espelham a identidade de quem os elege, sonhos, ambições, atitudes e desejos, neste capítulo, considerando o que é dito e sabido fazerem, atire a primeira pedra quem for ímpio.

Não defendo nem desculpabilizo os governantes e tão pouco os aspectos de injustiça social evidenciados com a sua concordância tal como não me considero exemplar mas, será que a distintos níveis não vivemos num pais onde proliferam os chicos espertos, os oportunistas, os gulosos, os chupistas, os obscurantistas, onde no medo de ser-mos ultrapassados não barramos caminhos a quem nos aponta as nossas limitações? Não temos na estrada o palco do nosso melhor retrato? Ou quanto a isso ainda residem dúvidas? Será que nas nossas vidas pessoais, no quotidiano, as nossas maiores batalhas não são afectas ao permitir terreno ao vizinho e parceiro do lado, e não se prendem com a aceitação da individualidade alheia, ou com o invejar-mos os que conquistam legitimamente o que por direito existencial e mérito lhes é cabido sem que frequentemente tentemos perspectivar formas de o usurpar? E gerimos as nossas vidas pessoais sem abrir espaço a crises? E o que as provoca saindo da nossa lavra? E jogos de poder, quem não os exerce nem que seja sobre o periquito? Pois, não me parece que por cá reinem assim tantos santos.

Já parámos para pensar que se temos casos em que lideramos as estatísticas internacionais, embora também exista o contrário, na sua maioria não são de orgulhar? E que muitas delas reflectem a sociedade civil?

Quero com isto dizer que de nada adianta reclamar contra o estado das coisas. Tão pouco me convencem de que a mudança terá que passar forçosamente pela mudança de regimes, que esses não nascem por geração espontânea. Creio acima de tudo numa mudança passando pelo mudarmo-mos a nós, para que as nossas escolhas governamentais sejam concordantes com o que, primeiramente, da nossa individualidade e depois no colectivo espelhamos.

E o consumismo? Puseram-nos a consumir desenfreadamente ou fomos nós a desejar ardentemente poder fazê-lo? O marketing tenta-nos e obrigam-nos a consumir, ou como forma de vencer vazios e frustrações pactuamos com o jogo da procura e oferta? Temos coragem para boicotar o excesso de oferta dizendo não ao que nos leva ao despesismo acima dos proveitos individuais mensais? Mandam na nossa determinação? Queremos e consumimos mais do que conseguimos pagar? Então, do que nos queixamos?

Somos humanos?, ou a gula, a inveja, a luxuria, a ira, a preguiça, a ganância e a vaidade são apanágio de alguma civilização alienígena?

Não conquistamos o mundo, subjugamos mais povos e escravizamos mais negros do que exterminou Hitler Judeus?

E esta nossa profunda sede e fome, donde vem? É-nos dada pelos governantes?

E os pecados, pagam-se no além ou "cá se fazem cá se pagam"?

Soa a moralismo não soa?

Ah pois é.

PBC

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Melhor filme...



Quando o cinema que se faz em Portugal desde o último quartel do século. XX, salvo algumas boas excepções, na minha humilde opinião se salda pela tradução dum corolário de exercícios de estilo despesistas, sem respeito algum pelo espectador que contribui para a sua existência, num país em que a sua industria vive preocupantes agruras e quem lhe dá corpo continua a cultuar quase em exclusivo o cinema de autor obtendo como resultado meros documentos de cinemateca, ter a ousadia de defender uma terceira via assente na premissa que também advogo, de que “um filme tem como propósito trazer o espectador para dentro da tela”, fazê-lo com sucesso é um passo em frente a que gosto de assistir.

De facto, havendo espaço para os vários estilos de cinema dirigido a distintos públicos, vivemos uma situação em que tornar um filme num produto comercial quase se torna uma exigência, e, sobe pena de o ver-mos desaparecer, pensá-lo deveria ser como pensar qualquer marca que se queira firmar no mercado. Hoje, sem ter-mos que nos centrar nos padrões hollywoodescos, por cá, já alguns o sabem e, num âmbito e tónica europeizada tentam-no sem que no entanto nem todos esses o consigam. Motivos? Não me caberá a mim dissecá-los aqui.

E foi precisamente isso, “trazer o espectador para dentro da tela”, aquilo a que assisti ontem na antestreia de "Quero ser uma Estrela", o último filme de José Carlos de Oliveira, filme que, mau grado as dificuldades sabidas que o foram perseguindo, na minha óptica, torna-se bem sucedido e a melhor longa metragem de toda a cinematografia deste realizador.

"Quero ser uma estrela", mais do que um documento actual sobre o tráfico de pessoas consegue provar-nos como é que uma óptima articulação e gestão dos elementos dramáticos e técnicas de narrativa cinematográfica, aplicadas com maturidade, criam a solidez dum filme capaz de nos prender ao ecrã. E, porque tratando-se de cinema não sou nem de elogio fácil nem gratuito, não o digo minado por qualquer tipo de apego emocional ligado ao facto de ter acompanhado os primeiros passos do guião ou, sem o poder aceitar, ter tido o privilégio de ser convidado para trabalhar nele, mas sim porque o saldo do que vi ontem leva a que o cinema português, José Carlos de Oliveira e toda a sua equipa estejam de parabéns. Em verdade, esta obra mexe connosco e certamente criará polémica junto da critica. De igual modo, cumpre os anseios do espectador procurando numa sala a satisfação do dinheiro bem gasto.

“Quero ser uma Estrela” dá-nos notas de excelência na fotografia e, se por ventura não se torna no melhor filme português da actualidade, pelo menos afirma-se como um dos melhores exemplos do que, e como, por cá, em cinema, sendo que as produções a não muito podem almejar, se deveria fazer, sobre tudo ao nível da realização e articulação do guião, aqui cabalmente "esgalhado".

Embora estilisticamente nos ofereça alguns excessos em nada contraproducentes ao seu posicionamento e incorporação na contemporaneidade, digo tratar-se de obra impar na actual panorâmica dos filmes nacionais.

Destaco ainda a excelente interpretação de Dalila Carmo no papel de Teresa, bem como a interpretação de Dino Mboa no papel de Kabila, um traficante de menores.

Com estreia marcada para 28 de Outubro em 20 salas, vale a pena ver este filme, e recomenda-se.

Haja quem consiga inverter o apanágio reinante na boca do povo de que “filmes portugueses são uma granda seca”.

PBC