sexta-feira, 30 de abril de 2010

Basta-me ser...

Há dias em que no vago lugar do tempo desfiando a essencialidade do vazio, ao olhar, somente urge interpelar o silêncio que o acomoda.

E deixar que dele meramente reconheça os contornos da latitude do pensamento estagnado é o possível aquiescer de toda a vontade de entrever para lá de mim. Aí, tão pouco o sentir parece fazer parte da razão encontrada no nada mais me satisfazer do que somente estar, já que tudo após se reflecte como vão e o pouco que me embala é a certeza de que, para me encher, basta-me ser.

PBC

Arte Povera



Arte Poveraem português Arte Pobre – não é o enquanto apaixonado sufocar na ausência, nem é a difícil arte de teatralizar uma compostura digna ao olhar para uma montra com 147.000 € de Porche Caene quando se é obrigado a repensar valores para qualquer casa idealizada. Tão pouco ditará ser dos pobres a sua prática. Pelo contrário, enriquecem os que melhor lhe dão forma.

Quantos, ao me verem empilhar e associar o que me caia nas mãos me disseram estar a fazer a dita sem que na minha ignorância imaginasse ao que se referiam? Pobre de mim que nunca vislumbrou que no irrequieto e inevitável educar do olhar explorando regras de composição e espacialização de emoções reciclando tralhas, trastes e restos para encontra neles novos elementos pictóricos, quando o faço sem pretensão de maior que não seja olhá-las e pronto, faço Arte Povera. Só que ao contrário dos que ousam torná-la quase eterna, o mais que faço é curtir-me nelas, destruí-las após conseguidas, por vezes fotografá-las, ou deixá-las desmoronarem naturalmente. Dai chamá-las de instalações efémeras. Quem na fugaz existência desse meu íntimo festejo da forma alegórica as viu, viu, e quem não viu não viu. Tanto faz terem dois metros ou dois centímetros, são o que são, o tudo esconder a continuidade da forma para além da sua descrição imediata, e tudo ter uma relação extemporânea, pluridemiensional e simbiótica com a impermanência no olhar que as capta e reconhece antes dos pormenores que lhe dão corpo e depois do corpo que lhes reinventa os pormenores.

Lembro a primeira vez, o Inverno de há mais de vinte atrás, eu e a nortada por companhia, na praia da Galé, recolhendo a refrega dada à costa, troncos, cordas, pedras, garrafas e sacos de plástico e um sem fim de dejectos reclamando breve e nova identidade na continuidade dos ciclos materiais. Finda uma semana, erigira ao longo de toda a praia dezassete aspectos de privada relação metafórica com o planeta em imponentes esculturas de lixo. Além de umas quantas gaivotas, da areia, dos seixos e do vento, gosto de pensar que só outro doido as viu, alguém que esteve na eminência de ser amarrado a um dos troncos e, como tendo igualmente dado à costa, quase se tornou no elemento humano em falta: Um norte-americano, conhecido realizador de cinema que zarpara de casa, fugido da mulher, e que decidiu colocar a caravana mesmo no eixo da foto que, para registo, impunha-se-me. Qual desenterrado tresloucado, andrajoso, de melenas escorridas e oleosas, assanhado por todo o vinho que conseguira beber, acorreu para mim de punho em riste, pretendendo ser eu um paparazi pago pela esposa que, dizia, lhe infernizava o juízo. Feitas as apresentações e apaziguados os ânimos passou-se ao convívio e a uma longa tarde de prosápia na qual me garantia que para além de eu ter que vir a conhecer o Roman Polansky pela mão dele, deveria pirar-me também eu para as terras do tio Sam, pois lá, sim, aquelas aritméticas de tempo-forma-emoção-espaço, seriam valorizadas. Claro que não só não me convenceu a largar a minha pobreza como quem na manhã seguinte tinha sido arrastado pela maré junto com as esculturas tinha sido ele. Aliás, deste foragidos às amantes vieram-me mais, bem ao género de “arte povera”, como quando o primeiro baterista dos Gun’s & Roses, mais parecendo um tronco estilhaçado pela intempérie, envolto em farrapos, apareceu-me pela frente a dizer que a namorada lhe cancelara as contas e todos os cartões simplesmente para conseguir seguir-lhe o rasto. Tive dificuldade em acreditar que semelhante personagem fosse quem era, pelo que, por precaução, porque já antes me inteirara do traiçoeiro valor das aparências, não fosse perder o motivo, fotografei-o e pedi-lhe um autógrafo que guardo religiosamente num qualquer álbum esquecido naquele imenso relicário de memórias coleccionadas que permanece em casa da mãe para justificar o pretexto de considerar que enquanto poder remexer nas lembranças arrumadas poderei voltar sempre. Só acreditei no pobre no dia seguinte, quando o vi passar de braço dado com aquelas imensas pernas loiras lindas de morrer. Ela uma estampa, ele um hino à Arte Povera.

Outro hino à Arte Povera vivi-o no dia em que, na Basileia, numa vernissage da Chopard acabei fotografado ao lado dos 750.000 € de gargantilha exposta no pescoço da actual primeira-dama de França, e a fotografar a Naomi. Também aí, porque estando eu pacatamente a comer a minha lagosta, como se não houvesse ninguém mais interessante e menos pobre na festa, a maré trouxe para a minha pequeníssima mesa nada mais nada menos do que o anfitrião. Povero de mim que a partir daí me senti um objecto transformado em relíquia para juntar àquela composição ou performance que mal cheguei a compreender.

Entendo agora que o mar não só trás como leva e assim leva como devolve. Daí mal expor as minhas instalações efémeras. Ainda acreditei não o fazer por via de também ter passado umas férias a construir o que quando me preparava para o emoldurar, distraindo-me, alguém o colocou no lixo por pensar que o era, não imaginando que é no reciclar do lixo que me habita que me “cristalinizo”. Foi o que senti em Serralves ao desembocar numa exposição de Robert Rauschenberg, sobe o título de “Em viagem”. O que dele vi - pop art - lebra-me trabalhos de arte povera.

Agora diz-me: o que é Arte Povera; é o sufoco do labiríntico amar, sou eu que não quer expor/me/te, ou é criar com tudo o que tudo pode ainda ser e talvez nunca venha a ser para além do olhar?

PBC

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Eu ministro!


Sonhei ter sido incumbido de escrever um livro que deveria ter por título:

“Directamente da ardósia para o Magalhães e do Magalhães para o Matusalém”, uma espécie de Prozé dos computadores.

Para quem não sabe ou não se lembra, o ProZé foi o “mata velhos” que proliferou por esse Portugal afora nos anos setenta, e, ao contrário do Magalhães, todo ele fabricado em Portugal. Há mesmo quem diga que a origem do termo “mata velhos” provém do facto do Prozé ter sido uma carripana tão insegura que os seus condutores tombavam que nem tordos, facto que gerou repulsa pelo dito, e por consequência, levou o projecto à falência.

No meu sonho, uma vez que o Magalhães, para além do nome, de português pouco tem, o Matusalém utilizaria exclusivamente tecnologia portuguesa, pelo que fazia todo o sentido atribuir-lhe o nome de um personagem estrangeiro, e para lhe conferir mais respeitabilidade, bíblico. Seria o computador que, para equilíbrio das coisas, o Sócrates, no seu louvável plano tecnológico para o ensino, alfabetização e culturização da nação, passaria a oferecer aos idosos com vista a fazê-los abandonar os bancos de jardim e a levá-los a encontrar uma ocupação mais rentável. Em vez de andarem ali ao jogo da sueca e do dominó passariam a jogar em casinos on-line. Com esta estratégia, uma vez que estava convicto de que os nossos velhotes virariam verdadeiras feras da jogatina passando à auto-suficiência financeira, o Eng. acreditava poder ser possível retirar-lhes a pensão, fazendo assim encaixar mais uns cobres para suportar o plano de desenvolvimento tecnológico do país. Por outro lado, ao banir com os velhos das alamedas e lugares públicos arranjaria espaço para mais estacionamento nas cidades. Seria a chamada estratégia H&S Três em um, ou seja: Retirava-os da cabeça, sacudiria os ombros, e esfregaria as mãos de contente.

O Matusalém teria também o benefício de conceder não só mais saúde aos que o utilizassem como acabaria com o isolamento individual dos cidadãos da terceira idade. Era uma ideia de génio que, se acaso o nosso primeiro-ministro passasse por aqui, a pás nas tantas decalcaria, e claro está, uma vez que tem direitos de autor, não sem antes me convidar para ministro dos assuntos educacionais.

Seria belo; hem? Eu ministro.

PBC

Das bolhas, lágrimas e casulos...



Minha querida:

Olha, venho dizer-te que só hoje acabei o meu casulo. Por certo me perdoarás.

No outro dia, quando me pediste para tratar dos casulos, confesso ter deixado o meu de lado. Na altura pareceu-me mais indicado não me perder muito na minha arquitectura e, sim, olhar-te sigiloso na construção do teu, não fosses tu precisar de alguma atenção.

Sabendo que estava concluída a solidez da tua cripta decidi-me pois a deitar mãos à obra, tecer o meu envolcro.

Sabes, observei o esplêndido enleio e preparação das tuas vestes, acabando por te copiar nalguns pormenores. Sei que não te prenderás muito ao facto.

Bem: para a camada intermédia optei por tecer um fio quase invisível com uma mistura de cânhamo e sisal mergulhado em lágrimas de crisálida em meia vida. Depois, para a camada exterior, preferi seda de várias cores. Escolhi um matiz escarlate, levemente salpicado de malva onde alguns reflexos platinados ajudarão a reflectir os excessos de luz e excessivo calor. Liguei ainda uns quantos fios também de seda mas roxos. Roxo; achei que o roxo condensaria um pouco melhor os raios de luar que me quisessem visitar nas noites mais sombrias.

Nem te passa pela cabeça a quantidade de seda que nestas últimas horas tive que encomendar às larvas que se candidataram a ajudar-me; quanta labuta. As amoreiras ficaram quase nuas e asseguro-te que me senti algo condoído ao vê-las tão solícitas quando lhes pedi tamanha quantidade de folhas. Disseram terem estado à minha espera e que aquelas folhas me cabiam por direito. Foram de uma generosidade suprema.

Para a impermeabilização fiz um acetinado unto de orvalho colhido em brotinhos de crisântemos, seiva de acácia florida e umas gotinhas de chá de princípe embalado ao canto das cigarras. Bem sei que assim ficará um pouco vistoso e correrei o risco de ser detectado por algum predador astral, mas à aurora e ao crepúsculo passará despercebido junto ao horizonte. De resto, quanto às horas diurnas terei de vigia o palhacinho que me acompanha desde sempre. É um amiguinho ermafródita que vive milhares de anos e só optará por um sexo no dia em que se apaixonar. Para o interior segui os teus passos e também optei pelo negro e, claro, também pela seda, mas esta embebida em néctar de rosas de porcelana. Achei mais seguro em função da excessiva luz que se anuncia e também a mim, quando excessiva, cega. Para o lado onde assentarei os pés coloquei três elementos muito minimais: um quadradinho dourado para me lembrar das virtudes do tempo, outro redondo branco para me animar o pensamento e não me deixar esquecer todas as cores que preciso ainda descobrir no canto das estrelas, e um terceiro, triangular, um nada mais pequenino, púrpura, para me manter atento à aproximação dos cometas que trarão noticias dos pássaros e das mariposas que procurarem sossegar a visão longe da acutilância dos lampiões excessivos. Para repousar a cabeça escolhi um dos nenúfares que deixaste naquele lago onde dancei algumas valsas ao som dos girinos. Sobe uma nuvem Andrómediana ficará bem acondicionada. Para os líquidos foi um pouco mais complicado acertar com a mistura mas acabei por juntar também um pouco de orvalho mas do que me pende dos olhos quando no zénite o sol teima em me ferir a alma. Coleccionei alguns frasquinhos e usei-os agora. Sabia que me viriam a servir. Ao orvalho adicionei uns gramas de pele da infância também guardada numa caixa de cartão pérola que preservou o aroma por inteiro. Coloquei umas gotículas de sumo de ananás cortado com essência de almíscar para manter o equilíbrio e aroma da mistura. Por fim adicionei ainda uns gramas de pólen de flor de laranjeira regada a suor de noites castas de amor sideral. Quanto ao aconchego e macieza das pálpebras escolhi duas folhas de lírio branco colhidas pela alvorada dos capítulos seculares. O branco translúcido dos lírios permitir-me-á olhar para dentro. Para as asas deixei-lhes espaço... bastante, para que nunca sentissem entropia alguma.

Tendo observado a precisão da tua espiral ocorreu-me à última hora redimensionar uma, semelhante à tua. Engendrei uma minúscula que me caberá somente no indicador direito. Temi que acaso ela redemoinhasse demasiado pudesse ficar eufórico com as visões oferecidas. Assim, antevejo que só os dedos me possam acelerar.

Faltava-me ainda encontrar solução para a estabilidade do casulo quando uma formiga com quem durante o descanso falei a encontrou. Sabias que costumo empreender grandes diálogos com as formigas e que da reciprocidade da troca tem nascido um respeito extremo e mútuo? Vê lá tu que a formiga com quem estive a falar era uma obreira bastante influente no interior da comunidade. Disse-me que quanto ao equilíbrio exterior não teria que me preocupar. Prestou-se a interceder por mim para que a partir do momento que ficasse estipulado o posicionamento do casulo as suas irmãs passassem a fazer o carreiro por baixo e com o simples andar de lá para cá o mesmo manter-se-ia suspenso e acima do solo, pelo que não só ficarei a salvo de qualquer tipo de paragitagem como de oscilações inoportunas das areias.

Em relação ao local onde finalmente mergulhar no sono desejado gostaria de ficar não muito longe do teu, embora a distância suficiente para que os nossos silêncios não se entrechoquem. Saberia bem saber-te por perto. Pelas minhas previsões amanhã cairão os primeiros pingos de chuva ácida. Intuo ser essa a data do fecho da campânula central.

Entretanto, boa viagem. Estou em querer que no sonho nos acenaremos sorrindo.

Aquele abraço.

PBC

* Dedicado e oferecido à poetisa Ana Luísa Ferreira em 2003 após embriagantes noites de metáforas

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Seca...

Foto PBC


Daria para um filme, mas não é, a vida na qual, qual personagem onde a película suporta meramente a impossibilidade de conter o real, sou, e aos olhos de mais ninguém, o actor principal.

Talvez porque goste de escrever as possíveis formas do que nada mais existe para inventar, sucedem-se loquazes, tantos os episódios quantos os que não me lembro de ter encontrado em nenhuma estante de livraria.

Esbugalham-se-me os olhos, incrédulos, na convivência com certos protagonistas. Digo mesmo: Continua a surpreender-me a estupidez alheia. Corrijo: A pequenez das apreciações cinzeladas pelos juízos diminuídos. Bem, mas deixemo-nos de prosápia ou académica e petulante facúndia.

Sim, sou arrogante, vaidoso, e retorcido na busca da retórica; ou seja; sou rebuscado, como os episódios desta novela melodramática. Dizia, foi aqui há tempos, mais uma. Seca, poderia dizer quem chegou até esta parte do texto, seca digo eu, ter que - claro que não digo - agradecer o intimo coleccionar de cenas cimentando a vivência.

Também, quem é que disse para leres o que escrevo?

Continuando: Quando ando por casa enjorco o conforto dos trapos velhos e puídos, única indumentária condizente com o ar de desenterrado que, porque arredado do sol, enterro-me nas teclas do computador. Daí que sempre que contrafeito de lá saio, não o bicho-do-mato mas o esquálido ET emerge comigo.

Depois, a barba. A barba não, não a corto. Gosto de ouvi-la ranger à batuta do sono pesado; e tanto, claro está, tem lauto preço numa sociedade movida pelo preconceito, pela ilusão da aparência, para não me esticar aqui numa ladainha desconsolada. Acho mesmo que nesses dias, se não ladrão, pelo menos pareço um bandido, porque não vesti nenhuma das camisas da BOSS, ou, em vez de me locomover no meu MG descapotável, chego a pé. A mais, o supermercado vive só a cinquenta metros de casa e algumas roupas mais novas do que as vestidas nesses dias tinha-as oferecido ao habitual mendigo lá da porta, um dos meus vários protegidos. Acham-me pai deles.

Em fim, adiante. Talvez por isso, pelo pecado de em tranquila consciência me estar cagar para olhares desdenhosos, entrei, levantei uns trocados, averiguei se o que precisava existia, e como não, com a mesma pressa com que avancei entrada a fora saí, não sem antes ter esgrimidos olhares com o policia. Um tipo de olhar virulento, daqueles olhares que nos contagiam com uma desconhecida culpa, que não temos.

Pé na rua:

- Olhe o Sr.!

– Sim, diga.

- Por acaso não se esqueceu de pagar nada?

- Quem;eu?! Porquê? Não, não me esqueci.

– Tem a certeza?

- Tenho. Quer-me revistar?

– Que coisa azul é essa que tem aí no bolso?

– Ah, isto. Olhe, quer ver? É o meu maço de SG Filtro, vazio por sinal. É crime?

– Ahhhhh…

- Veio atrás de mim por causa da minha roupa? Sabe que as aparências iludem.

- Não, desculpe. Tem razão.

– Não te de quê. Mas olhe, das vezes que fui roubado, foi…

- Eu sei, por gajos de gravata.

- Eeexacto!

Ah, ali foi a minha vez. Descasquei em cima do… talvez sonhador, dos que sonha prender, não importa o quê ou quem.

Eu disse que sou arrogante; não disse? Pois, descasquei, e voltei a descascar a resenha de bons costumes arredados das forças policiais, prepotentes na expiação das frustrações escolhidas no dia em que decidiram fazer-se de estátuas ajuizando suposições. E blá blá blá, blá blá blá…

E agora, desabafo despachado, já sinto inspiração para começar novo guião. É verdade, já me esquecia, voltei atrás, ao polícia, e perante o seu olhar estupefacto agradeci-lhe a inspiração. Bem a calhar por sinal, ofereceu mais uma cena à próxima narrativa.

Não filme que seja a minha vida, daria uma tragicomédia…

PBC

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Não digam a ninguém...



E não, não é anedota. Antes o fosse.

Só eu sei que o que começou por se manifestar como pensamento mais rápido do que a sombra da demência se transformou em dor.


Tudo começou num belo dia, naquele em que pela primeira vez me defrontei – e digo defrontei porque se tratou duma batalha de quase vida ou morte no manicómio - com as insígnias do então BBV; vulgo Banco Bilbao Viscaia. Esperto que sou, assim que passo os olhos pela dita de imediato penso: Bumbeiros Buluntário da Várzea.

E não é que daí em diante, essa parasitária nomenclatura se me colou à testa e, por se ter tornado tão insuportável associar uma ao outro que já tremia nas imediações daquela mescla de azuis dei por mim a evitar olhar para os passeios?, e só passados quase dois anos de martírio consegui por fim engendrar ferramentas para formatar o disco e banir com o suplicio. Quanto mais lutava com a inverosímil tragicomédia mais ela se manifestava no meu velocíssimo pensamento. Pois é, pois é, sorte é que nunca lá abri conta pois pelo andar da carruagem, em vez de Bumbeiros B. da Várzea ainda acabava os meus dias a tentar escapar à emenda do soneto, ou seja, não disparar de imediato um achincalhante Burro Bem Vestido, ou pioríssimo, Bolsos Bem Vazios. E se os bolsos estivessem vazios porquê que haveria de lá ir ? Alguém me diz?

É para verem esta mente e que, se acaso a coisa se prolongasse, aí é que pela certa me veriam desvairado e a correr por essas ruas afora de cabelos em pé e à procura de um vão de escada qualquer para me esconder deles. De quem? Dos marcianos disfarçados de árvore, ora.

Ah, a propósito; chiuu, não digam a ninguém; eles andam aí.

PBC

Apetece-me...


Apetece-me dizer, mas de muito que é não sei o quê, nasce e morre como vão. Ocorre-me as pulgas da minha gata, que a dor tem estatuto social, que as guerras se alimentam com o esquecimento de quem as sofre, dizer o “abutrio” da imprensa elevando o banal ao estatuto de anormalidade consumida para iludir o fardo de não se ter, e dizer da morte de alguns sobrelevando-se em colectiva histeria acima das tantas e ilustres que ocorrem anonimamente a par de quantas nunca chegaram a mísero cromo de obituário; sei lá: Apetece-me falar da correlação da poluição com sistemas económicos, da queda do muro de Berlim por debelação do Armaguedão, da extinção de espécies ao ritmo com que se devoram florestas e se anafam outrora libertadores. E porquê? Porque me sufoca este apetecer de…

Mas como me apetece, como me apetece dizer acerca de tudo o que não cabe em nada do que parece importar para se fazer parte de uma humanidade esquecida que é, do papel da vida. Dizer, simplesmente dizer, e soa-me inútil que o meu pensamento se conduza ao mero esfumar da importância do que importa, e no fim, as palavras se prontifiquem a pouco mais do que à surdez da minha gata para a problemática das pulgas, ou da sua memória de escassos minutos…

PBC

domingo, 25 de abril de 2010

Digitário e tal...


Depois de "Axleário" e "Diários de Andrémeda", porque blogar se tornou um hábito de difícil fuga, a escrita é vício venoso e a razão dos vários insistentes ao regresso pesou, volto, desta, com "Digitário e Tal...", iniciado em dia em que, se por um lado ideias e projectos se entre-chocam à boca da mente, por outro, a pouca inspiração destas palavras fica assumida.

Num espaço que evoluirá nas funcionalidades e, espero, motivos de interesse e interactividade, para gozo próprio, curiosidade de alguns, e seguimento de outros, em jeito de diário inconstante, aqui ficarão excertos e retábulos do que em mim é partilhável.

Bem vindos os que por cá passarem.

PBC

Poeira histórica

Volto a este texto.


Hoje acordei num mundo onde os cânones e estruturas a que me habituara eram já a poeira histórica cimentada.

Olhei em volta e de lá para cá vi andarem seres andróginos, hermafroditas, cinestésicos, telepatas, mutantes, alienígenas e toda uma série de outras criaturas que me pareceram saídas de alguma banda desenhada de Moébius. Percebi que todos falavam uma língua parecida mas nunca igual. Cocei a cabeça. Na única forma que possuo perguntei a um onde estavam as “antiguas" estátuas e velhas ruas e porque raio os painéis, letreiros e reclames estavam escritos daquela forma semelhante a um enxurrilho de erros ortográficos. Entendendo-o mal, contrariamente a mim, pareceu-me que o sujeito me entendeu perfeitamente e num dialecto a custo percepcionado explicou-me que ou eu era de “outrp” mundo ou, então, certamente estaria a gozar com ele. Segundo percebi, aquele homem que em tudo parecia normal, não fossem uns olhos “amarelsos” e “usn” lábios naturalmente azuis e não pintados, disse-me sem mexer os lábios que as coisas por ali sempre tinham sido assim e que “sequisesse” saber mais poderia sempre consultar um dos velhos computadores existentes no museu ...”Alip” possivelmente encontraria resposta para as minhas questões.

Caminhei e à medida que o ia fazendo, como não sabendo onde se situava o dito, fui tentando perguntar a alguns a direcção a tomar. Espantou-me o facto de nem ser necessário perguntar-lhes nada que de imediato me apontavam o caminho. Embora confortado com a simplicidade das ocorrências mergulhei sempre saudoso da segurança do meu velho mundo, espantado por “swr” sempre entendido apesar da “minah” linguagem do sec. XX. Cheguei a sentir-me um “verdeiro” dinossauro. Chegado ao tal museu, sem “k” tivesse tido necessidade de o abordar verbalmente, também o recepcionista me apontou aquilo que ali me levava. Por oposição, lembrei-me dos funcionários públicos a quem repeti vezes sem conta determinadas pretensões; para não obter cabal resposta às minhas dúvidas. Era um sujeito engraçado, com corpo de homem e rosto de criança, com “cabelas” vermelhos espetados e que, acariciando um gato roxo, pairava um pouco acima do solo. Pensando na estranheza daquela gente não contive um sorriso. Notei que as várias pessoas em torno me olharam todas, quase reprovadoramente. Confesso ter provado a intimidação.

Depois de vasculhar numa máquina com as insígnias “pentiuTT 91” e diferente dos computadores da minha época, senti que também essa me leu a mente oferecendo-me num ápice as matérias que procurava.

Acabei por dar com um manuscrito onde se lia:

- “Evoltutivamente”, a raça dominante no planeta tinha caminhado naturalmente para uma falta de atribuição de “importancia” à forma das ideias, passando a centrar-se mais nos seus conteúdos”… e “que o pensamento deixara de assentar em símbolos como catalizadores da ideia”....e “k” ideia, com ou sem ausência de forma “materializável” é sempre ideia pelo “k” a forma nos limita à posse dum único tipo de visão”...

Não quis acreditar no que li mas a avaliar pelo que me era dado notar essa seria uma realidade à “quel” enquanto “ali” permanecesse teria que me habituar. Um pouco mais além, num outro texto, li “tb” “K” por uma questão de sobrevivência e natural universalização da comunicação, bem como para não se deixarem dominar pelas máquinas, os homens tinham acabado por contrariar a linguagem que um dia “impuzeram” às mesmas, mantendo assim um distanciamento da retórica que na minha realidade era a usual. Dizia “inda” outro texto que a sublimação das ideias dispensa uma simbologia estanque pois a “estanquicidade” dos elementos perceptíveis da comunicação possui uma valência relativa em função da esfera e grau de evolução dos seres comunicantes.

Esbugalhando-me até ao possível “fikei” estarrecido “uaa” boa meia hora e, com todas as forças que me assolaram pretendi sair dalí o quanto antes. No entanto, uma voz saída de um “autofalente” que nunca cheguei a ver disse-me: Voçê acabou de entrar noutra dimensão e por mais que tente, dela “nõa” “mias” poderá sair...Agora é tarde... você não é quem pensa, você é simplesmente o crescer e a ilusão de ser maior; siga e “divirse-ta”... Não quis acreditar na minha sorte. Porém, já que “li” estava, dei-me à natural forma de estar do local.

Nos momentos imediatos também eu comecei a mudar passando a aceitar as diferenças formais. Ao adormecer percebi que há mundos a ter em conta e que o meu só é como é enquanto for. No dia seguinte, acordando algo exausto, realizei a dimensão da perenidade do estado das coisas no espaço e no tempo.

E a língua cresceu-me tanto “K” não mais me coube na boca.

PBC