sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O último adeus.

A imensa branquidão das paredes, do tampo da secretaria no qual os salpicos de cores dos pequenos objectos se assanhavam mas não conseguiam sobrepor-se à alvura das folhas dos cadernos abertos e restante claridade, alastrava-se como um destino pacífico onde só a luz parecia ter permissão para se assenhorar daquele escritório. Além do gato, que soubesse, não havia mais ninguém em casa capaz de lhe fazer chegar à pituitária o aroma a perfume feminino que, como uma fina onda de fumo de cigarro atravessa a penumbra duma sala unicamente iluminada por um fiapo de luz chegado da janela pela qual acaba por sair e se perder. E porque em simultâneo lhe ocorreu a imagem de alguém que horas antes soube falecida, quis acreditar tratar-se da visita dela, tanto quanto o aroma a flores seria a forma possível de ser saudado por alguém já morto e a quem sempre gostou de se abraçar, intuindo-se assim merecedor dum último adeus. Naquele momento ainda não sabia que mais tarde, quando voltasse a ter-se na memória dela acabaria por ser assolado pelo início da verdade, por aquele incómodo e gélido sentimento de incredulidade que inevitávelmente chega quando a “fixa cai” e, assustando-o e baqueando-o, começa primeiro por lhe dificultar a aceitação do falecimento, e só depois de se relembrar que tudo acaba e os que foram nunca mais os viu, vem então a aceitar ou acreditar pacificamente na impermanência e no facto da vida ter por oposição a morte. Sorriu, um breve arrepio escorreu-lhe pela nuca e lágrimas reforçaram-lhe o brilho dos olhos, prestes a irromperem e transformarem-se numa vaga de nostalgia ladeando todas as percas anteriores. Por momentos negociou com a vontade de vogar pelo choro mas não se deixou ir, e recordou alguns dos pequenos momentos passados juntos, daqueles que estacionam na vida dos que ficam como constituindo referencias à certeza de os idos terem realmente existido nos instantes que a memória do quotidiano acaba por apagar mas lhes foram comuns. Voltou a sorrir e pretendeu sorrir-lhe também, fechou os olhos, algo entristecido pela dramática dureza da vida de alguns, e como se os gestos que se desenham no pensamento fossem tão reais quanto os materializados, interiormente elevou o braço, mostrou-lhe a palma da mão e num até sempre desejou-lhe eterna paz.

PBC