sexta-feira, 14 de julho de 2017

Puro estado de somente ser

Há dias em que sinto nos poros que unicamente em doses equilibradas de adrenalina, dopamina, serotonina e oxitocina me é possível sustentar por um descansativo período o desejo e a acção concertante dos suspiros no epicentro do meu sistema límbico, para que possa entre a assumpção da paixão e um urgente instinto de sobrevivência firmando o pé diante da área de wernicke conduzir-me por um labirinto de palavras com que me resgatar das emoções mal identificadas. Dito assim, embora em tudo e até na ciência, teoremas e cálculo matemático mais conciso exista uma versificação harmónica, toda esta prosápia em nada parece poética, mas o facto é que, destituindo-a de mim, do mesmo modo que furtando-me à espontaneidade de me tornar mais integro se me bastar a somente ser e estar, sucumbo, talvez por ainda não estar assaz maduro para não complicar sem razões a simplicidade da vida, para, mais do que palavras escritas, ser afectos.


E tudo, exclusivamente, por esta irrequietude mental, arrogância venal até, vã mania de tender a racionalizar o banal e os movimentos do universo, meramente para poder ter a cartografia dum percurso seguro que me conduza à ilusão de não me perder, de mim, nem da possibilidade de chegar cada vez mais perto de ti. Sim; é assim que deixo de lado a genuinidade e solidez do atrevimento pueril passível de me tecer a eternidade no sorriso, e me torno carregado, sério e volúvel, perdendo quantas vezes a adrenalina da aventura e a possibilidade da surpresa daquelas descobertas mais insuspeitas com que, rejuvenescendo-me e refazendo-me, quando a tal me permito, consigo banir dos dias os preconceitos e as barreiras que me facilitam o puro estado de somente ser, ser contemplação, ser afectos, tão tamanhos que na aura acabo a carregar só a disponibilidade para configurar a mente em respostas que surgem como a agregação do meu eu a um pouco mais de mim, a nada mais do que à demissão do pensamento ilusório, acabando aí sim a saber que se há alguma razão para tudo o que acontece acontecer muito antes do meu querer, essa razão não passa do amor onde me procuro, onde pouco mais sei a não ser ser nesse espaço que nos encontro.

PBC

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Metamorfoseando-me em ave.


Com mais frequência do que a essencial a um existir sustentado pelo equilíbrio entre o intuído e a identitária certeza dum eu partilhado por todos os quadrantes onde me navega a alma, em meio ao permanecer racionalmente na construção de intimas defesas e ao deixar-me navegar pelo que me torna puramente afectos esqueço-me que se nas veias me corre sangue por oxigenar nas artérias circula-me a tinta da palavra escrita. Daí este sentimento de o não escrever ser sempre um venenoso prenuncio de desistência, duma morte lenta a ser exorcizada, espúrios gritos abafando-me a paz e a plenitude esgrimindo pérfidos argumentos contra a coragem de continuar em busca dum crescente sorriso que se me aloje no coração e me conceda ao mais simples gesto a inteireza dum ego sem dimensão palpável, quiçá por só aí me ser possível dimensionar a minúscula finitude da partícula que sou neste universo onde me construo de paixões, aonde para me sentir suficientemente enorme e capaz de abraçar nelas o mundo tenha que reconhecer em cada detalhe da sonoridade dos vocábulo reverberando nos meus profundos silêncios a origem de tudo apontando-me o propósito de só assim ser possível chegar à humildade como ponto de partida para todo e qualquer discurso mais intimo desenhando-me na pele a singular forma de amor que, de facto, o é; o incondicional; e aquela que me impele suspiros à transcrição dos gestos e vozes do meu corpo em liberdade, porque, em fim último, só assim me entendo na maneira de me mostrar inteiro, sem medos ou anseios tendentes a atirar-me para um infindável mar de negociações entre quem sou e quem faço por querer ou não querer ser, estiolando, antecipando a dor ao invés do sossego que a palavra escrita me traz; se até quando gravadas em papel as dores deixam de ser incómodas, letais ou assustadoras, passando à beleza das mágoas inerentes ao crescer. Daí escrever, porque a palavra registada é a certeza onde sei que mesmo quando extraviado por espessas brumas, por fim, encontrarei sempre a minha casa palavra, calor uterino característico a qualquer morada, como por exemplo o estender os braços a abraços sentidos. Talvez daí procurar nas palavras mais do que viver uma fantasia, até mesmo quando faço por me certificar ser amor e só o que quero continuamente entender como sendo a verdadeira natureza do afecto: o verbo mimando-me, metamorfoseando-me em ave.  

PBC