quarta-feira, 28 de abril de 2010

Seca...

Foto PBC


Daria para um filme, mas não é, a vida na qual, qual personagem onde a película suporta meramente a impossibilidade de conter o real, sou, e aos olhos de mais ninguém, o actor principal.

Talvez porque goste de escrever as possíveis formas do que nada mais existe para inventar, sucedem-se loquazes, tantos os episódios quantos os que não me lembro de ter encontrado em nenhuma estante de livraria.

Esbugalham-se-me os olhos, incrédulos, na convivência com certos protagonistas. Digo mesmo: Continua a surpreender-me a estupidez alheia. Corrijo: A pequenez das apreciações cinzeladas pelos juízos diminuídos. Bem, mas deixemo-nos de prosápia ou académica e petulante facúndia.

Sim, sou arrogante, vaidoso, e retorcido na busca da retórica; ou seja; sou rebuscado, como os episódios desta novela melodramática. Dizia, foi aqui há tempos, mais uma. Seca, poderia dizer quem chegou até esta parte do texto, seca digo eu, ter que - claro que não digo - agradecer o intimo coleccionar de cenas cimentando a vivência.

Também, quem é que disse para leres o que escrevo?

Continuando: Quando ando por casa enjorco o conforto dos trapos velhos e puídos, única indumentária condizente com o ar de desenterrado que, porque arredado do sol, enterro-me nas teclas do computador. Daí que sempre que contrafeito de lá saio, não o bicho-do-mato mas o esquálido ET emerge comigo.

Depois, a barba. A barba não, não a corto. Gosto de ouvi-la ranger à batuta do sono pesado; e tanto, claro está, tem lauto preço numa sociedade movida pelo preconceito, pela ilusão da aparência, para não me esticar aqui numa ladainha desconsolada. Acho mesmo que nesses dias, se não ladrão, pelo menos pareço um bandido, porque não vesti nenhuma das camisas da BOSS, ou, em vez de me locomover no meu MG descapotável, chego a pé. A mais, o supermercado vive só a cinquenta metros de casa e algumas roupas mais novas do que as vestidas nesses dias tinha-as oferecido ao habitual mendigo lá da porta, um dos meus vários protegidos. Acham-me pai deles.

Em fim, adiante. Talvez por isso, pelo pecado de em tranquila consciência me estar cagar para olhares desdenhosos, entrei, levantei uns trocados, averiguei se o que precisava existia, e como não, com a mesma pressa com que avancei entrada a fora saí, não sem antes ter esgrimidos olhares com o policia. Um tipo de olhar virulento, daqueles olhares que nos contagiam com uma desconhecida culpa, que não temos.

Pé na rua:

- Olhe o Sr.!

– Sim, diga.

- Por acaso não se esqueceu de pagar nada?

- Quem;eu?! Porquê? Não, não me esqueci.

– Tem a certeza?

- Tenho. Quer-me revistar?

– Que coisa azul é essa que tem aí no bolso?

– Ah, isto. Olhe, quer ver? É o meu maço de SG Filtro, vazio por sinal. É crime?

– Ahhhhh…

- Veio atrás de mim por causa da minha roupa? Sabe que as aparências iludem.

- Não, desculpe. Tem razão.

– Não te de quê. Mas olhe, das vezes que fui roubado, foi…

- Eu sei, por gajos de gravata.

- Eeexacto!

Ah, ali foi a minha vez. Descasquei em cima do… talvez sonhador, dos que sonha prender, não importa o quê ou quem.

Eu disse que sou arrogante; não disse? Pois, descasquei, e voltei a descascar a resenha de bons costumes arredados das forças policiais, prepotentes na expiação das frustrações escolhidas no dia em que decidiram fazer-se de estátuas ajuizando suposições. E blá blá blá, blá blá blá…

E agora, desabafo despachado, já sinto inspiração para começar novo guião. É verdade, já me esquecia, voltei atrás, ao polícia, e perante o seu olhar estupefacto agradeci-lhe a inspiração. Bem a calhar por sinal, ofereceu mais uma cena à próxima narrativa.

Não filme que seja a minha vida, daria uma tragicomédia…

PBC

Sem comentários:

Enviar um comentário