sexta-feira, 30 de abril de 2010

Arte Povera



Arte Poveraem português Arte Pobre – não é o enquanto apaixonado sufocar na ausência, nem é a difícil arte de teatralizar uma compostura digna ao olhar para uma montra com 147.000 € de Porche Caene quando se é obrigado a repensar valores para qualquer casa idealizada. Tão pouco ditará ser dos pobres a sua prática. Pelo contrário, enriquecem os que melhor lhe dão forma.

Quantos, ao me verem empilhar e associar o que me caia nas mãos me disseram estar a fazer a dita sem que na minha ignorância imaginasse ao que se referiam? Pobre de mim que nunca vislumbrou que no irrequieto e inevitável educar do olhar explorando regras de composição e espacialização de emoções reciclando tralhas, trastes e restos para encontra neles novos elementos pictóricos, quando o faço sem pretensão de maior que não seja olhá-las e pronto, faço Arte Povera. Só que ao contrário dos que ousam torná-la quase eterna, o mais que faço é curtir-me nelas, destruí-las após conseguidas, por vezes fotografá-las, ou deixá-las desmoronarem naturalmente. Dai chamá-las de instalações efémeras. Quem na fugaz existência desse meu íntimo festejo da forma alegórica as viu, viu, e quem não viu não viu. Tanto faz terem dois metros ou dois centímetros, são o que são, o tudo esconder a continuidade da forma para além da sua descrição imediata, e tudo ter uma relação extemporânea, pluridemiensional e simbiótica com a impermanência no olhar que as capta e reconhece antes dos pormenores que lhe dão corpo e depois do corpo que lhes reinventa os pormenores.

Lembro a primeira vez, o Inverno de há mais de vinte atrás, eu e a nortada por companhia, na praia da Galé, recolhendo a refrega dada à costa, troncos, cordas, pedras, garrafas e sacos de plástico e um sem fim de dejectos reclamando breve e nova identidade na continuidade dos ciclos materiais. Finda uma semana, erigira ao longo de toda a praia dezassete aspectos de privada relação metafórica com o planeta em imponentes esculturas de lixo. Além de umas quantas gaivotas, da areia, dos seixos e do vento, gosto de pensar que só outro doido as viu, alguém que esteve na eminência de ser amarrado a um dos troncos e, como tendo igualmente dado à costa, quase se tornou no elemento humano em falta: Um norte-americano, conhecido realizador de cinema que zarpara de casa, fugido da mulher, e que decidiu colocar a caravana mesmo no eixo da foto que, para registo, impunha-se-me. Qual desenterrado tresloucado, andrajoso, de melenas escorridas e oleosas, assanhado por todo o vinho que conseguira beber, acorreu para mim de punho em riste, pretendendo ser eu um paparazi pago pela esposa que, dizia, lhe infernizava o juízo. Feitas as apresentações e apaziguados os ânimos passou-se ao convívio e a uma longa tarde de prosápia na qual me garantia que para além de eu ter que vir a conhecer o Roman Polansky pela mão dele, deveria pirar-me também eu para as terras do tio Sam, pois lá, sim, aquelas aritméticas de tempo-forma-emoção-espaço, seriam valorizadas. Claro que não só não me convenceu a largar a minha pobreza como quem na manhã seguinte tinha sido arrastado pela maré junto com as esculturas tinha sido ele. Aliás, deste foragidos às amantes vieram-me mais, bem ao género de “arte povera”, como quando o primeiro baterista dos Gun’s & Roses, mais parecendo um tronco estilhaçado pela intempérie, envolto em farrapos, apareceu-me pela frente a dizer que a namorada lhe cancelara as contas e todos os cartões simplesmente para conseguir seguir-lhe o rasto. Tive dificuldade em acreditar que semelhante personagem fosse quem era, pelo que, por precaução, porque já antes me inteirara do traiçoeiro valor das aparências, não fosse perder o motivo, fotografei-o e pedi-lhe um autógrafo que guardo religiosamente num qualquer álbum esquecido naquele imenso relicário de memórias coleccionadas que permanece em casa da mãe para justificar o pretexto de considerar que enquanto poder remexer nas lembranças arrumadas poderei voltar sempre. Só acreditei no pobre no dia seguinte, quando o vi passar de braço dado com aquelas imensas pernas loiras lindas de morrer. Ela uma estampa, ele um hino à Arte Povera.

Outro hino à Arte Povera vivi-o no dia em que, na Basileia, numa vernissage da Chopard acabei fotografado ao lado dos 750.000 € de gargantilha exposta no pescoço da actual primeira-dama de França, e a fotografar a Naomi. Também aí, porque estando eu pacatamente a comer a minha lagosta, como se não houvesse ninguém mais interessante e menos pobre na festa, a maré trouxe para a minha pequeníssima mesa nada mais nada menos do que o anfitrião. Povero de mim que a partir daí me senti um objecto transformado em relíquia para juntar àquela composição ou performance que mal cheguei a compreender.

Entendo agora que o mar não só trás como leva e assim leva como devolve. Daí mal expor as minhas instalações efémeras. Ainda acreditei não o fazer por via de também ter passado umas férias a construir o que quando me preparava para o emoldurar, distraindo-me, alguém o colocou no lixo por pensar que o era, não imaginando que é no reciclar do lixo que me habita que me “cristalinizo”. Foi o que senti em Serralves ao desembocar numa exposição de Robert Rauschenberg, sobe o título de “Em viagem”. O que dele vi - pop art - lebra-me trabalhos de arte povera.

Agora diz-me: o que é Arte Povera; é o sufoco do labiríntico amar, sou eu que não quer expor/me/te, ou é criar com tudo o que tudo pode ainda ser e talvez nunca venha a ser para além do olhar?

PBC

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