quinta-feira, 13 de julho de 2017

Metamorfoseando-me em ave.


Com mais frequência do que a essencial a um existir sustentado pelo equilíbrio entre o intuído e a identitária certeza dum eu partilhado por todos os quadrantes onde me navega a alma, em meio ao permanecer racionalmente na construção de intimas defesas e ao deixar-me navegar pelo que me torna puramente afectos esqueço-me que se nas veias me corre sangue por oxigenar nas artérias circula-me a tinta da palavra escrita. Daí este sentimento de o não escrever ser sempre um venenoso prenuncio de desistência, duma morte lenta a ser exorcizada, espúrios gritos abafando-me a paz e a plenitude esgrimindo pérfidos argumentos contra a coragem de continuar em busca dum crescente sorriso que se me aloje no coração e me conceda ao mais simples gesto a inteireza dum ego sem dimensão palpável, quiçá por só aí me ser possível dimensionar a minúscula finitude da partícula que sou neste universo onde me construo de paixões, aonde para me sentir suficientemente enorme e capaz de abraçar nelas o mundo tenha que reconhecer em cada detalhe da sonoridade dos vocábulo reverberando nos meus profundos silêncios a origem de tudo apontando-me o propósito de só assim ser possível chegar à humildade como ponto de partida para todo e qualquer discurso mais intimo desenhando-me na pele a singular forma de amor que, de facto, o é; o incondicional; e aquela que me impele suspiros à transcrição dos gestos e vozes do meu corpo em liberdade, porque, em fim último, só assim me entendo na maneira de me mostrar inteiro, sem medos ou anseios tendentes a atirar-me para um infindável mar de negociações entre quem sou e quem faço por querer ou não querer ser, estiolando, antecipando a dor ao invés do sossego que a palavra escrita me traz; se até quando gravadas em papel as dores deixam de ser incómodas, letais ou assustadoras, passando à beleza das mágoas inerentes ao crescer. Daí escrever, porque a palavra registada é a certeza onde sei que mesmo quando extraviado por espessas brumas, por fim, encontrarei sempre a minha casa palavra, calor uterino característico a qualquer morada, como por exemplo o estender os braços a abraços sentidos. Talvez daí procurar nas palavras mais do que viver uma fantasia, até mesmo quando faço por me certificar ser amor e só o que quero continuamente entender como sendo a verdadeira natureza do afecto: o verbo mimando-me, metamorfoseando-me em ave.  

PBC

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