Volta não volta recordo-me dele mas ultimamente tenho
pensado com mais incidência no meu falecido amigo Jorge. Quando me ocorre
lembro-me que morreu menos vitima duma co-infecção do que da descriminação e
ignorância do facto de que a falta de demonstração de amor também mata, e por
vezes mais do que a doença que eventualmente nos atirou para a cama. Chamávamos-lhe
Stato ou Stato MIler. Isolado por deformação educacional o Stato era uma
daquelas pessoas a quem normalmente se chama de bom rapaz, era um manso, pessoa
de princípios, amigo do seu amigo, leal, discreto, e de tal ordem era a sua
bonomia que quando alguma coisa acontecida lá no bairro soava a evento
escabroso, se disséssemos “vejam lá que até o Stato”, era porque de facto a
coisa o era mesmo. Lembro-me do dia em que ao fim duns anos a tratarmo-lo por
Stato, sem ninguém estar à espera daquele repente, o que nos espantou por não
ser habitual no bom do Jorge, descobrimos que o Stato afinal não se chamava
Stato. Há época batíamos umas soecadas a feijões em casa do Tintas, o Henrique
pintor, um eleito da pintura artística, doido varrido. Foi numa noite em que após várias horas
de soecada, a determinada altura, o Tintas, vendo-me ali a fotografar tudo o
que mexia acaba a lançar à malta presente o desafio para uma foto encenada com
todos como protagonistas. Adereças dispostos em cima da mesa, guarda roupa
improvisado e expressões exageradamente a preceito e lá se fez a foto. Não me
lembro com precisão de quem lá estava mais para além do Tintas, do Júnior, do
China, do Xuxo, de mim e do Hugo. Penso que o Rui também, mas de facto passados
vinte e cinco anos a memoria dissipou-os. A determinada altura, o Xuxo; que se
havia pessoa capaz de infernizar o juízo a alguém este era um deles; já não sei
porquê, chama Stato ao Jorge e este, num acesso de raiva diz: - Stato uma
merda!!! Já estou farto que me chamem Stato!! Statt MIller de Saldanha e
Albuquerque, se faz favor! E mais! Se querem saber, corre-me nas veias o sangue
dos Reis de Portugal! Fez-se um silêncio solene, o queixo caiu-nos e antes
mesmo de sermos invadidos pelo tipo de orgulho dos que acabam a privar com
eminências, claro está que o Xuxo aproveitou a deixa para nova leva de
azucrinanço ao juízo do Stato que afinal não era Stato mas Statt. Aliás, se me
tenho lembrado dele é porque o seu primo Statt, José Carlos Saldanha, para
alegria minha tem andado na boca do mundo e aparecido na comunicação social e
redes sociais por ter tido a coragem de levantar a voz contra a descriminação e
a injustiça, pedindo às instituições que o deixassem viver, e com sucesso se
tem feito ouvir. Ao contrário do José Carlos, que estou certo jamais virá a
morrer sozinho ou vitima da exclusão o Jorge finou-se só, esquecido por todos numa cave fria,
praticamente abandonado à doença, vitima da sua mansidão, da culpa diante dos
pais que lha souberam inculcar desde cedo e do não só não ter tido a coragem de
se impor perante estes como igualmente por nunca ter tido ninguém a seu lado
que o motivasse a querer vencer aquando da chamada à desistência. Porque em
verdade, o Stato que afinal se chamava Statt desistiu, silenciou-se porra, não
se fez valer do seu legitimo direito a uma assistência digna não só por parte
do estado como de todos os outros que lha poderiam conceder. E porque o desamor
também mata. E porque o silêncio ceifa tanto mais vidas quanto estas a ele não
se souberem impor e, se nos silenciarmos, por vezes, e sempre que se tratar da nossa decisão deixá-la ou não vencer, é provável que a morte chegue antes do tempo.
PBC
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