sexta-feira, 5 de novembro de 2010

...mas amor...


Intuiu a existência da eternidade quando logo pela primeira vez a viu e, de todas as outras vezes que a encontrou pouco mais do que a confusão e uma estranha saudade o venceu.

Nem sequer pensava nisso e mal entendia o porquê de lhe parecer que, apesar da diferença de idades, dos mundos distantes e serem completamente desconhecidos um do outro, conquistava-o uma impalpável certeza, a de se conhecerem desde sempre. Não o corpo, não o rosto, mas o que a domiciliava era-lhe familiar.

Era ainda ela a pureza da adolescência e ele já homem rodado quando, por vezes, ao encontrá-la, sem se aperceber, ao cumprimentá-la, como se acaso se tratasse de alguém ao lado de quem acordara; o espaço que entre eles se abria; ao invés do cordial olá; conduzia-o a um natural ensejo de a beijar nos lábios.

Vê-la era reconhecer as ironias do tempo no labiríntico cruzamento das almas, era desfigurar as razões da matéria na ilusão do conhecido, era sentir-se preso a um corpo atraído pelo que o âmago reclama numa silenciosa reciprocidade de encantamentos, era mergulhar na ausência de passados presentes e futuros as sentenças mortais tombando perante a intemporalidade da consciência, era o amor sem outros preceitos que não o deixa-lo fluir sem reticências ou condições.

Firmava-se-lhes uma certeza quando diante um do outro; ambos não cabiam nos próprios corpos, porque afastados pelas circunstâncias, as rangendo na carne a sorte do provisório. Nesses momentos eram simplesmente a antiguidade de duas almas isoladas pelos caprichos da perpetuidade e da demora, procurando-se, de forma que, quando por vezes se lembrava dela, em meio aos braços laços arrepelando o vazio e a um inaudível brado nidificando-lhe na garganta, como quem descansa pousando a cabeça numa nuvem de suspiros provava o verdadeiro sentido da solidão terrena.

Dias, meses, anos passaram-se sem que para eles se extinguisse a possibilidade do reencontro no qual todo o tempo do mundo pouco mais era que a voz distante das estrelas apontando-lhes o Zénite, e os dedos que, à noite, mesmo distantes, se procuravam na fantasia. Havia um eco desassossegado nas suas memorias, um fruir de silêncios que não se afirmavam pela ausência dos corpos apartados, a certeza de do outro lado o eco ter uma única nota de retorno, o contorno da espera no irresoluto desejo de vencerem a arbitrariedade dos lugares que os distanciavam.

Como o possível mas não aceitado preenchimento do espaço presente, à distância, entreolhavam-se por paixão, que não era, mas amor...

PBC

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