quinta-feira, 28 de julho de 2011

"In vino veritas"


Não conseguiu precisar, se duas, se três, quatro ou seis horas se tinham passado, nem isso lhe pareceria importante quando mais tarde tentasse reencontrar o ponto de partida. Bebera litradas. Até se sentir o maior. Até conseguir amesquinhar o céu da boca. Até só já respeitar o prazer da luxúria e co-réus da fuga. Até crer e pôr como verdade a verdade que não lhe pertencia, nem lhe cabia: vender por veracidade a conveniência. Até exigir virtude à perversão. Até à liberdade da desresponsabilização. Até a razão ser imposta, clandestina em terra de ninguém. Até os compromissos perderem, doerem, serem a desdita. Até, já, por fim, a caminho da cama, do fundo do corredor, arremessar sem pejo, uma vez mais, costumeiramente, novas lanças ao peito do zelo. Com a legitimidade própria à perfídia. Heroicamente. Pois então. E assim adormeceu. Pela manhã, julgando acordar, voltou a envergar, cingidas às espáduas, todas as inseguranças e pestilências que as acompanhavam. Tremeu, vacilou, empinou-se nos restos de orgulho soçobrando. Constatou a ausência do zelo. Mal se importou. Sempre o vira por garantido. Mas tropeçou nele, no corredor. Jazia ensanguentado, num lago rúbeo, coalhado. Mas exigiu-lhe rosas, por conta das lanças. Mas qui-lo airoso, como no ponto de partida, maldizendo a chegada, assanhando-se por outra litrada.

PBC

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