Tenho memoria de
elefante para factos da mais tenra infância e, hoje, olhando para a minha filha
tentando adquirir autonomia no virar-se tive um flash back, daqueles onde uma
vez mais fui atirado para um ponto preciso do meu mais remoto passado. Voltei aos
cinco seis meses, àquela cama de grades de madeira bem escura onde lutei para
conquistar a certeza de muitos movimentos autonomizadores como o virar-me e
que, se em certos dias essa cama me oferecia o conforto da solidão e a possibilidade de
mergulhar nos meus botões e exercícios primários de destreza física e intelectual noutros
me fornecia uma impressão de reclusão, que me marcaria para o resto da vida.
Obsevando a Laura perguntei-me se ela, um dia, tal como eu, se irá lembrar
destes momentos. Lembrar-se destes momentos?!! Está parvo; dirão vocês; este gajo
deve ser doido e se não excessivamente fantasista tem é a mania. Mas sabem, pouco
me importa o vosso juizo. Aliás, já estou habituado a tais entendimentos das
minhas capacidades. É que quando digo às pessoas que as minhas memorias remontam
à mais tenra infância acham-no estranho e na maior parte das vezes duvidam da
possibilidade. De facto a mim também não me é estranho que assim seja pois não
são os outros e sim eu a ter um dos QI’s mais elevados do planeta. Quanto à
Laura, embora já lhe tenha detectado laivos de grande inteligência preocupa-me
o facto dela a poder ter semelhante à minha, já que gente como eu, por tal,
frequentemente intimida, gera invejas, faz sombra e acaba a
recolher-se no silencio e na solidão dum efervescente universo, muito próprio. Porque
imbuído dum recorrente sentimento de se ser alienígena no próprio bairro a
estupefacção diante da cegueira generalizada frente ao simples – e agora sou eu a achar estranho
que assim seja – leva a ter um papel de observador nas situações que não requeiram
real intervenção deixando o de participante para quem vive na sede de provar
coisa nenhuma, ou somente o culto do ego. Confesso que quando assim acontece em
nada me motiva participar de corriqueirices desprovidas de substancial
interesse; para mim está claro. Que, e não porque queira mas por ser o
inevitável a cumprir na passagem por esta vida, ser assim também me atira para caminhos
onde gerar a imortalidade do sujeito através de perspectivas produzidas pelo
raciocínio lógico, pelo ver por todas as células e pela sensibilidade dificilmente alcançável pelos demais, qual maldição, é a paga por ter nascido com uma estátua gravada na medula. É, é verdade, tenho a arrogância
de o dizer na plena consciência de que muito poucos o disseram em vida e o
alcançaram na morte.
Por todos estes
motivos gostaria que na Laura, no tocante a inteligência intelectual, que a
emocional vem por arrasto, não hajam semelhanças comigo e que, um dia, não
venha a ser complicado para ela interrogar-se do porquê de, em meio a uma gélida
sensação nos poros gritando perplexidade: “como é possível não verem, não
saberem, não imaginarem nem se aperceberem do simples óbvio desenhando gestos no ar em torno?".
Por isso esta grande e egoísta hambição de que a minha filha continue a virar-se no tapete mas sobre tudo
aprenda a não ir ao tapete e sim a virar-se na vivencia de quem, herdada de
mim, é.
PBC